Durante uma mentoria com lideranças de uma grande empresa, escutei uma frase que até hoje me faz pensar: “A gente já contratou pessoas de grupos minorizados, mulheres, pessoas negras, com deficiência e LGBTQIAPN+, mas elas não ficam.” Aquela liderança não sabia o motivo. Pedi mais detalhes e descobrimos que as contratações eram feitas de maneira isolada, sem qualquer mudança real na cultura interna. As pessoas não se sentiam incluídas, acolhidas e pertencentes.
Era o que chamamos de diversidade performática, aquela que fica só no discurso e é muito mais comum do que imaginamos. Um levantamento feito pela consultoria Michael Page mostrou que quatro a cada dez empresas brasileiras concentram seus esforços de diversidade apenas em campanhas externas ou contratações pontuais e representativas. E somente 3,2% têm programas reais de desenvolvimento, como mentoria para grupos minorizados e trilhas de liderança inclusiva.
Sem iniciativas internas profundas, a diversidade vira fachada. Outra empresa que assessorei, por exemplo, decidiu contratar um grupo de homens gays para atuar em uma operação tradicionalmente masculina e conservadora. No papel, parecia perfeito. Na prática, foi um desastre: os novos funcionários eram isolados, não podiam acessar o vestiário comum e enfrentavam comentários depreciativos diariamente. A maioria pediu demissão em poucos meses. O problema não era a diversidade em si, mas a ausência total de inclusão e pertencimento.
O Brasil não pode cair nessa armadilha por razões evidentes. Somos uma nação majoritariamente negra e temos leis sólidas contra racismo, LGBTfobia e para inclusão de pessoas com deficiência. Diferente dos Estados Unidos, onde as políticas afirmativas agora passam por forte retrocesso, por aqui a diversidade se impõe como realidade social e legal.
Empresas que já avançaram naquela escala de maturidade em DIEP que apresentei em outro artigo sabem que a inclusão não pode depender de ações pontuais ou do esforço isolado de uma liderança. Precisa ser um valor compartilhado, parte do DNA da organização, algo que se reflete em indicadores, desenvolvimento contínuo e representação verdadeira em toda a hierarquia. Exemplos concretos incluem programas de mentoria para grupos minorizados, treinamentos contínuos para a liderança, canais de escuta ativa eficazes, inclusão de metas de diversidade nas avaliações de desempenho e planos estruturados para recrutamento e promoção interna.
Ainda assim, vemos vários exemplos de empresas que anunciam metas ambiciosas de diversidade antes de estarem preparadas para cumpri-las. Lembro de uma que declarou publicamente que teria paridade de gênero em todas as funções. O resultado? Uma enxurrada de críticas quando se constatou que o discurso bonito estava longe da realidade. Outra dificuldade recente veio com o bloqueio de anúncios de vagas afirmativas – permitidas pela lei brasileira – em uma plataforma profissional, gerando ainda mais barreiras às empresas que buscam ativamente diversidade real. Em vez de avanços, criam-se obstáculos desnecessários para quem já entendeu a importância do tema.
Também observo um comportamento comum: empresas que adotam diversidade apenas para atender exigências de empresas fornecedoras ou pessoas investidoras. Fazem por obrigação externa, não por convicção interna. Sem uma adesão genuína ao tema, dificilmente essas ações terão resultados duradouros. É importante lembrar que a diversidade performática não é apenas ineficiente, mas prejudicial. Gera descrédito interno, alta rotatividade, compromete o clima organizacional e coloca em risco a reputação. Já a diversidade com cultura inclusiva genuína promove ambientes mais saudáveis, inovadores e com aumento da performance do time.
Incluir de verdade não é marketing, é responsabilidade. Diversidade é essencial, mas só funciona com inclusão real. Afinal, nenhuma pessoa permanece onde não se sente vista, escutada e valorizada.
Cris Kerr, CEO e fundadora da CKZ Diversidade.