quinta-feira, julho 31, 2025

COP30 é oportunidade para Brasil liderar esforço contra a degradação do oceano

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Tuvalu é um pequeno país da Polinésia, no Oceano Pacífico, cuja economia é baseada na concessão de licenças de pesca, na venda de polpa de coco e no aluguel do domínio de internet “.tv” (equivalente ao “.br” dos sites brasileiros) a redes de televisão. O arquipélago e seus 11 mil habitantes, porém, ganharam notoriedade e se tornaram símbolo de uma realidade alarmante: o país pode ser o primeiro do mundo a desaparecer por conta das mudanças climáticas.

Formado por nove ilhas e atóis, o território de Tuvalu está a uma altura média de dois metros acima do nível do mar. O ponto mais alto está cinco metros acima. Especialistas alertam: em até 100 anos, Tuvalu pode sumir do mapa. Desde agosto de 2024 vigora um acordo que, pouco a pouco, vai fazer com que os cidadãos tuvaluanos migrem para a Austrália – país a mais de 3.500 quilômetros de distância.

O caso da pequena nação polinésia pode parecer pitoresco e distante, mas é emblemático. Outros países podem estar longe do risco de desaparecimento, mas enfrentam e enfrentarão muitos problemas graves: derretimento do gelo, elevação do nível do mar, ondas de calor marinhas, acidificação das águas oceânicas, perda de biodiversidade e prejuízos diretos para os meios de subsistência das comunidades costeiras.

Essas são apenas algumas das consequências diretas das mudanças climáticas para os mares apontadas pela ONU, que faz o alerta: os oceanos absorvem cerca de 90% do excesso de calor e energia liberado pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa na Terra. Cada uma das situações listadas leva a novas consequências com potenciais catastróficos. A combinação entre a elevação do nível do mar e o aumento da frequência e magnitude dos eventos extremos, como tempestades, traz riscos às populações de regiões litorâneas, como inundações, erosão e deslizamentos de terra. Há locais, segundo a ONU, onde eventos como esses agora acontecem anualmente – historicamente, eles eram registrados uma vez a cada século.

Alexandre Turra

“É urgente que a gente consiga ter ações concretas para reduzir a quantidade de gás carbônico na atmosfera, reduzir o efeito estufa, reduzir o aquecimento global”, alerta o Prof. Dr. Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP, coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano e conselheiro do Conselho Regional de Biologia da 1ª Região (CRBio-01).

Segundo Alexander Turra, eventos como a COP30 são fundamentais para discutir e começar a colocar em prática as ações concretas. “Sem as COPs, as nossas expectativas seriam muito piores”, resume. Os encontros entre líderes políticos e representantes do poder econômico de influência global oferecem o espaço e as possibilidades para que o discurso e as promessas passem, enfim, a se tornar ações concretas. É preciso avançar nas estratégias de transição para uma economia de baixo carbono. Nesse cenário, é preciso haver países dispostos a liderar os esforços coletivos. Com o evento deste ano em Belém, o Brasil tem uma oportunidade de ouro nas mãos.

“É muito mais caro adaptar e remediar do que prevenir. A COP30 pode ser o momento para a gente sair do discurso e ir para a prática; sair do teórico para algo que efetivamente leve à transição. É preciso insistir fortemente nas ações de mitigação e redução das emissões. Isso pressupõe as pactuações direcionadas ao financiamento da transição. E nós temos novos agentes nessa discussão, como o banco dos Brics, que pode ter papel importante”, aponta Alexander Turra.

Reflexos no oceanno

O impacto das mudanças climáticas nos oceanos é visível. As ondas de calor marinhas se tornaram mais duradouras e intensas. Só em 2021, quase 60% da superfície oceânica do planeta sofreu com o fenômeno pelo menos uma vez

As ondas de calor causam, por exemplo, o branqueamento dos corais, que ocorre quando os recifes perdem suas algas microscópicas vitais. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente estima que todos os recifes de corais do planeta podem sofrer branqueamento até o fim deste século, caso a água siga aquecendo.

Alexander Turra explica que o processo de branqueamento tem se intensificado nos últimos anos e pode ter passado de um ponto de não retorno. O processo pode ser revertido, em alguns casos, mas não em todos. “Os corais, quando expostos a temperaturas muito elevadas, deixam de ter as algas unicelulares que, dentro deles, realizam fotossíntese e ajudam na nutrição. Eles ficam brancos, pois se vê, por transparência, o esqueleto”, destaca. “Quando o branqueamento é muito prolongado, o coral morre. Esse é o fenômeno que está acontecendo: grandes mortalidades de corais no mundo todo. E a recomposição desses organismos é algo muito difícil de acontecer”, lamenta

Os corais não são os únicos a sofrer. Foram percebidas mudanças generalizadas em manguezais, que sustentam a vida nos oceanos. Episódios de mortandade em massa foram registrados em áreas costeiras rasas, com menor circulação de água, onde os animais ficam expostos a temperaturas muito altas, especialmente na maré baixa. Organismos que vivem enterrados na areia, por exemplo, estão muito expostos.

Além disso, muitas espécies têm migrado para latitudes mais elevadas, em busca de águas mais frias. Até 2100, mais da metade das espécies marinhas podem estar à beira da extinção.

“No caso dos peixes, registramos uma mudança, um deslocamento em direção aos polos terrestres, o que faz com que os recursos pesqueiros deixem de estar disponíveis em algumas localidades e passem a aparecer em outras. Isso acontece com vários organismos: de algas a invertebrados”, relata Alexander Turra. “Alguns efeitos [das mudanças climáticas] são mais crônicos, como a migração em direção aos polos; outros são agudos, relacionados a picos de temperatura em determinado ano, como o branqueamento dos recifes de coral; e outros são bastante agudos, relacionados, por exemplo, a uma onda de calor que ocorre em poucos dias, mas que pode ter efeitos como a mortalidade em massa de organismos marinhos”, resume.

Alerta

Apesar de ver na COP30 uma oportunidade de avanço, Alexander Turra ressalta que o cenário atual é de alerta e preocupação. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), vinculada à ONU, confirmou que 2024 foi o ano mais quente já registrado. Pela primeira vez na história, a temperatura média global ultrapassou a marca estabelecida pelo Acordo de Paris como ponto crítico: 1,5°C acima dos níveis registrados na era pré-industrial

O Acordo de Paris, aliás, é um dos pontos de maior alerta. Ao assumir o governo dos Estados Unidos para um segundo mandato, em janeiro de 2025, Donald Trump assinou uma série de decretos. Um deles determinou a retirada da maior potência econômica do mundo do acordo. Trump também determinou uma série de cortes no órgão federal de Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em inglês), com centenas de demissões, interrupções, rescisões de contratos e ordens executivas que afetaram as operações

“Houve um comprometimento severo da capacidade de monitoramento dos oceanos no mundo e, especialmente, um direcionamento para não compartilhamento das informações e dos dados gerados”, alerta Alexander Turra. “Isso leva a um comprometimento muito grande no planejamento das medidas de adaptação às mudanças do clima. O cenário é crítico e preocupante. Isso vai levar a uma dificuldade muito grande de lidar com as novas realidades”.

Nesse cenário, há oportunidades para quem caminha no sentido contrário, ou seja, em busca de soluções. No Brasil, a criação do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo), em 2023, é um bom indício. Vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a organização reúne mais de 100 pesquisadores vinculados às principais universidades do país e pretende ser um centro de referência sobre os oceanos. Mas é preciso avançar mais.

“A gente precisa que a comunidade científica, os órgãos de fomento e novos arranjos de financiamento sejam colocados em prática. O Brasil, enquanto país, evoluiu no entendimento e na construção de um arranjo institucional para isso acontecer, mas não necessariamente na efetivação do processo para que a gente tenha os dados sobre os oceanos sendo coletados, armazenados, processados e divulgados”, resume Alexander Turra.

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