A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada da última quinta-feira (17/07/2025), o Projeto de Lei 2159/21, que estabelece regras gerais de licenciamento ambiental. A proposta, que agora segue para sanção presidencial, introduz novos tipos de licença e procedimentos simplificados, com prazos reduzidos para análise. O texto aprovado incorpora 29 emendas do Senado, com parecer favorável do relator, deputado Zé Vitor (PL-MG).
Este PL, em tramitação no Congresso Nacional desde 2004, foi aprovado pela Câmara em 2021 e, em seguida, pelo Senado Federal em 21 de maio deste ano, com diversas emendas. Após retornar à Câmara, a urgência de sua votação foi aprovada em 8 de julho, logo após parecer favorável da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). A celeridade na tramitação e aprovação tem levantado uma série de preocupações por parte de especialistas e instituições ligadas à ciência e ao meio ambiente, que alertam para os riscos de insegurança jurídica e de um significativo retrocesso na política ambiental brasileira.
Votos dos Deputados Federais do Amazonas
A aprovação do PL 2159/21 na Câmara dos Deputados teve apoio da maioria dos representantes do Amazonas com o texto. Dos deputados federais que representam o estado, o único a votar de forma contrária foi Amom Mandel (Cidadania). Por sua vez, Pauderney Avelino (União Brasil) esteve ausente na votação.
Os demais deputados federais do Amazonas votaram sim à proposta. São eles: Átila Lins (PSD-AM), Adail Filho (Republicanos-AM), Capitão Alberto Neto (PL-AM), Fausto Santos Jr. (União-AM), Sidney Leite (PSD-AM) e Silas Câmara (Republicanos-AM). O posicionamento desses parlamentares, em sua maioria, contrasta com os alertas emitidos por diversas entidades científicas e ambientalistas sobre os possíveis impactos negativos do projeto para biomas sensíveis como a Amazônia.
A Nova Licença Ambiental Especial (LAE)
Uma das emendas aprovadas no PL 2159/21 cria um novo tipo de licenciamento ambiental, a Licença Ambiental Especial (LAE). Essa modalidade poderá ser concedida mesmo que o empreendimento seja efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente. A LAE será destinada a atividades ou empreendimentos considerados estratégicos pelo Conselho de Governo, um órgão de assessoramento do presidente da República para a política ambiental. A definição das prioridades será bianual, e uma equipe técnica deverá se dedicar permanentemente a essa função.
O prazo para conclusão da análise e decisão sobre o pedido de LAE será de 12 meses, e a licença terá prazo de validade de 5 a 10 anos. As autoridades licenciadoras darão prioridade à análise e decisão dos pedidos de LAE em detrimento de outras licenças. O texto prevê que a análise da LAE deverá ocorrer em uma única fase, e a autoridade licenciadora poderá solicitar informações adicionais uma única vez. Outros órgãos que necessitem emitir licenças deverão dar prioridade à emissão de anuências, licenças, autorizações, certidões, outorgas e demais documentos necessários em qualquer esfera administrativa.
O Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) manifestou preocupação com a criação da LAE. Segundo a entidade, essa nova modalidade, destinada a projetos estratégicos que podem envolver impactos ambientais significativos, prevê uma aprovação em até 12 meses, sem a exigência de audiência pública e por meio da emissão de uma única licença. Essa simplificação do processo levanta questionamentos sobre a devida análise dos impactos e a participação social.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também criticou a criação da LAE, afirmando que a emenda transfere ao Conselho de Governo, um órgão político vinculado à Presidência da República, o poder de definir diretrizes nacionais e enquadrar projetos como “estratégicos” sem critérios claros, transparência ou controle social.
Para a SBPC, isso rompe com os princípios técnicos e legais do licenciamento ambiental e, na prática, institucionaliza a liberação acelerada de projetos que necessitam de análise mais aprofundada, transformando a ciência em mero coadjuvante. A SBPC ressalta que inúmeros estudos científicos já demonstraram o grave efeito socioambiental de investimentos em infraestrutura mal planejados, e que a LAE poderá agravar essa condição, especialmente em iniciativas que buscam a abertura e pavimentação de rodovias (como a BR-319) e ferrovias (como a Ferrogrão), além da exploração de petróleo e gás em áreas ecologicamente sensíveis (como a Margem Equatorial).
Mineração e a Desvinculação das Normas do CONAMA
No que tange à mineração de grande porte e/ou alto risco, o PL 2159/21, com a aprovação de uma emenda dos senadores, estabelece que não serão mais observadas normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) até que uma lei específica trate do tema. Essa alteração é apontada como um ponto preocupante pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).
O IASP alertou para os riscos de insegurança jurídica e retrocesso devido à exclusão das atividades minerárias de grande impacto de sua aplicabilidade. Embora o Senado Federal tenha proposto a inclusão, a Câmara, com base no Parecer da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) aprovado em 8 de julho, indicou que a mineração será realmente excluída da norma. Isso significa que, por um período indefinido, as atividades de mineração de grande porte e alto risco estarão desobrigadas de seguir as diretrizes do Conama, um órgão colegiado responsável por estabelecer normas e critérios para o licenciamento ambiental no país.
Simplificação e Riscos de Autodeclaração
Um dos pontos mais polêmicos do projeto é a criação do licenciamento ambiental simplificado por adesão e compromisso (LAC). Essa modalidade permite que o interessado solicite a licença sem a necessidade de estudos de impacto ambiental. Cada ente federativo, conforme a competência concorrente de licenciamento ambiental, definirá quais atividades de pequeno ou médio porte e baixo ou médio potencial poluidor poderão usar a LAC, cuja vigência será de 5 a 10 anos.
O uso da LAC estará condicionado ao atendimento cumulativo de certas condições, como conhecimento prévio das características gerais da região, do modo de instalação e operação da atividade, dos impactos ambientais do tipo de empreendimento e das medidas de controle ambiental necessárias. Além disso, a intervenção não poderá derrubar vegetação se isso depender de autorização ambiental.
Para obter a licença, o empreendedor deverá apresentar o Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE). No entanto, uma emenda aprovada tornou a análise por amostragem dessas informações facultativa em vez de obrigatória. As vistorias por amostragem no local passam a ser anuais para conferir a regularidade de atividades autorizadas por meio da LAC.
A LAC poderá ser utilizada para serviços e obras de duplicação de rodovias ou pavimentação naquelas já existentes ou em faixas de domínio, e ampliação e instalação de linhas de transmissão nas faixas de domínio. Contudo, outra emenda aprovada incluiu em trecho diferente do texto um dispositivo que dispensa de licenciamento ambiental serviços e obras de manutenção e melhoramento de infraestrutura em instalações existentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluindo rodovias anteriormente pavimentadas e dragagens de manutenção.
O IASP manifestou preocupação com as diversas hipóteses de dispensa de licenciamento e simplificação dos processos, incluindo a LAC. O instituto aponta que as tipologias de enquadramento e grau de impacto serão definidas pelos Poderes Executivos da União, Estados e Municípios, sem qualquer necessidade de participação da sociedade civil, que se dá nos conselhos de meio ambiente. Segundo o IASP, isso pode levar a uma instabilidade e transgressão ao princípio da participação popular, com as listas de tipologias e grau de impacto sendo modificadas a cada gestão, ao gosto do governante eleito.
A SBPC também criticou veementemente a LAC. O manifesto da ciência brasileira aponta que a proposição de uma Licença por Adesão e Compromisso permitirá emissões de licenças automáticas, com base apenas na autodeclaração do empreendedor, para empreendimentos de médio porte e médio potencial poluidor.
Esse processo, segundo a SBPC, desconsidera análises técnicas prévias e os efeitos futuros da LAC sobre as emissões nacionais de gases de efeito estufa e sobre recursos naturais, incluindo a rica biodiversidade do país. A SBPC afirma que o PL, ao dispensar o empreendedor de grande parte de suas obrigações, coloca em risco o papel do Estado em exercer sua capacidade e dever de prevenir danos.
Um dos pontos mais sensíveis levantados pela SBPC é a dispensa de licenciamento para o agronegócio por meio da LAC. Para a SBPC, o simples preenchimento de um formulário autodeclaratório passará a ser suficiente para garantir a dispensa de licenciamento, sem qualquer verificação sobre impactos ambientais ou compromissos firmados em programas de regularização ambiental. Do ponto de vista científico, essa proposta submete os biomas brasileiros, já ameaçados por uma trajetória de “não retorno”, a uma situação crítica.
A SBPC argumenta que isso prejudicará o próprio agronegócio, visto que já há evidências científicas de que o regime de chuvas no país sofreu alterações significativas (redução) com impactos na produção de alimentos e commodities, alterações que não são provocadas apenas pela mudança global do clima, mas também por alterações na vegetação nativa que cobrem essas áreas. Considerando que no Brasil 90% da agricultura não é irrigada e depende da vegetação nativa para produzir chuva, o enfraquecimento do licenciamento ambiental será, segundo a SBPC, “um tiro no pé” da agricultura nacional.
Terras Indígenas e Quilombolas
Uma das emendas aprovadas no PL 2159/21 retira de outras autoridades envolvidas no licenciamento ambiental o poder de definir os tipos de atividades ou empreendimentos de cujos licenciamentos deverão participar. Isso inclui órgãos que devem se manifestar sobre impactos em terras indígenas (Funai) ou quilombolas (Ministério da Igualdade Racial), sobre o patrimônio cultural acautelado (Iphan) ou sobre as unidades de conservação da natureza (ICMBio).
O prazo total de prorrogação para que as entidades envolvidas no licenciamento ambiental apresentem seu parecer passa de 10 para 15 dias a mais do prazo padrão de 30 dias, e essa prorrogação precisará de justificativa. Com o novo texto, a manifestação dessas autoridades deverá ser considerada pela autoridade licenciadora apenas se apresentada no prazo fixado.
Além disso, a autoridade ambiental licenciadora não precisará mais avaliar e decidir motivadamente sobre a justificativa da autoridade envolvida quanto ao impacto do empreendimento. Sobre terras indígenas, por exemplo, o projeto permite a manifestação da Funai apenas sobre aquelas com demarcação já homologada.
Uma nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA) indica que há pelo menos 259 terras indígenas em processo de demarcação (equivalente a 32% da área total desse tipo de terra) que ficariam de fora da análise por ainda não estarem homologadas.
A SBPC e o IPAM manifestaram grande preocupação com essa alteração. A SBPC destaca que, se o PL for aprovado, cerca de 80% dos territórios quilombolas (TQs) e 32,6% das Terras Indígenas (TIs), que são áreas aguardando titulação e homologação, serão ignoradas nos processos de licenciamento ambiental. Não estão previstas quaisquer medidas de prevenção, mitigação e compensação de impactos socioambientais ou de controle do desmatamento.
Para a SBPC, isso coloca em xeque não somente os direitos, mas também o papel que esses povos e comunidades têm na conservação ambiental e na prestação de serviços ambientais, uma vez que boa parte do regime de chuva e do armazenamento de carbono em vegetação nativa são mantidos por essas populações.
A SBPC cita que Terras Indígenas na Amazônia, por exemplo, funcionam como um grande “ar-condicionado” da paisagem, com temperaturas 2-5°C mais baixas do que nos arredores. O PL não atenta para esses serviços, pois a atuação das autoridades envolvidas, assim como a análise técnica e a exigência de condicionantes, fica restrita apenas aos casos de impactos nas áreas de influência direta do empreendimento potencialmente degradadores, não considerando impactos indiretos ou na escala da paisagem.
O IPAM reforça que a dispensa da consulta prévia a povos originários, a desconsideração de critérios técnicos robustos e a priorização da velocidade em detrimento da análise de riscos, o texto rompe com princípios básicos da boa governança ambiental. Para o IPAM, essa decisão pode gerar efeitos duradouros, como o ataque aos direitos de comunidades indígenas e tradicionais.
Condicionantes e Termo de Referência
Quando o empreendimento ou atividade sob licenciamento tiver de apresentar Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ou Relatório de Impacto Ambiental (Rima), as outras autoridades envolvidas deverão se manifestar em 90 dias, prorrogáveis por mais 30 dias, caso haja nas proximidades: terras indígenas com demarcação homologada; área interditada em razão da presença de indígenas isolados; áreas tituladas de remanescentes das comunidades dos quilombos; bens culturais ou tombados; ou unidades de conservação, exceto áreas de proteção ambiental (APA).
As condicionantes para o funcionamento do empreendimento (como uma usina hidrelétrica, por exemplo), tais como proteção ambiental de determinadas áreas ou realocação de pessoas afetadas (pela barragem, por exemplo), deverão ser fiscalizadas pelo próprio órgão consultado.
Para atividades e empreendimentos que dependam apenas de um termo de referência, com estudos menos complexos, a participação de outros órgãos dependerá de as terras, bens tombados ou unidades de conservação estarem próximos do local da intervenção no meio ambiente. A distância depende ainda do tipo de empreendimento. Assim, por exemplo, na Amazônia, haverá consulta se a distância for de até 8 km para implantação de ferrovias, portos, hidrelétricas sem reservatório e mineração. Em outros biomas, a distância será de 5 km para esses casos, exceto ferrovias (3 km).
A SBPC alerta que as condicionantes ambientais foram fragilizadas pelo PL. O projeto limita a responsabilidade do empreendedor diante dos danos causados ou agravados pelo próprio empreendimento, inclusive em casos de grandes obras que pressionam serviços públicos ou estimulam desmatamento e grilagem. Para a SBPC, essa falta de responsabilização poderá agravar ainda mais o avanço do desmatamento ilegal e da grilagem, em especial na Amazônia, onde cerca de 50% do desmate nesse bioma ocorre em terras públicas, especialmente nas chamadas “Florestas Públicas não Destinadas”.
Produção Indígena e Unidades de Conservação
O PL 2159/21 prevê que os órgãos e a autoridade ambiental poderão cooperar para disciplinar procedimentos específicos para licenciamentos cujos empreendedores sejam indígenas ou quilombolas, quando as atividades forem realizadas dentro de suas respectivas terras.
Entretanto, quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento não precisará mais da autorização do órgão responsável por sua administração (no caso federal, o ICMBio).
A SBPC considera essa alteração uma ameaça às Unidades de Conservação (UCs). O texto em tramitação na Câmara, segundo a SBPC, prevê a avaliação de impactos e definição de condicionantes somente quando, nas regiões diretamente afetadas pelos empreendimentos, existirem UCs ou suas zonas de amortecimento, excluindo todas as UCs, federais, estaduais e municipais, da avaliação de impactos ambientais indiretos.
A SBPC classifica essa visão como míope, uma vez que ignora a conectividade espacial e funcional entre diferentes regiões com coberturas de vegetação nativa distintas. Além disso, os pareceres dos órgãos de gestão (ICMBio e órgãos estaduais e municipais competentes) envolvidos não terão caráter vinculante, permitindo que os órgãos licenciadores sem competência legal e capacidade técnica para dispor sobre as temáticas referidas o façam.
Ibama x Órgãos Estaduais
Outra mudança significativa introduzida pelo PL, feita pelos senadores e acatada pela Câmara, determina que, se órgãos ambientais fiscalizarem atividades sob licença não expedida por eles, deverão apenas comunicar ao órgão licenciador as medidas para evitar a degradação ambiental verificada em autuação. O órgão licenciador poderá inclusive decidir que não houve infração, o que tornaria sem efeito as multas aplicadas por aquele órgão que fiscalizou.
Assim, por exemplo, quando o Ibama (órgão ambiental federal) fiscalizar e multar um empreendimento licenciado por um órgão ambiental estadual, o texto prevê que a versão deste último sempre prevalecerá. Quanto ao processo administrativo, em vez da lei federal, serão aplicadas subsidiariamente as leis dos outros entes federativos sobre o assunto.
A SBPC alerta que a proposta do PL de que estados e municípios decidirão, isoladamente, o que licenciar, levará a distorções profundas entre regiões, com atividades semelhantes sendo tratadas de formas distintas, onde o critério técnico-científico é ignorado dependendo da pressão política local. O resultado, segundo a SBPC, será um sistema fragmentado, ignorante do ponto de vista científico e sujeito à lógica meramente do poder público local e regional. A falta de harmonização das regras também aumentará a insegurança jurídica.
Mata Atlântica
Na lei de preservação da Mata Atlântica (Lei 11.428/06), uma emenda dos senadores aprovada exclui a necessidade de autorização do órgão ambiental estadual para o desmatamento de vegetação desse bioma se ela for primária ou secundária em estágio avançado de regeneração.
Além disso, exclui a necessidade de autorização de órgão ambiental municipal para desmatamento de vegetação em estágio médio de regeneração, desde que o município possua conselho de meio ambiente.
A SBPC, em seu manifesto, critica essa alteração, lembrando que a Mata Atlântica é um bioma que já perdeu 76% de sua cobertura original, deixando os remanescentes de floresta madura vulneráveis ao desmatamento. As mudanças propostas no PL, ao flexibilizar a necessidade de autorização para desmatamento, podem acelerar ainda mais a degradação desse bioma já tão fragilizado.
Renovação Automática e Prorrogação de Licenças
O texto do PL permite a renovação automática da licença ambiental por igual período a partir de declaração online do empreendedor, na qual ele ateste o atendimento da legislação ambiental e das características e porte do empreendimento e das condicionantes ambientais aplicáveis. Essa medida será válida para empreendimentos de baixo ou médio potencial poluidor e de pequeno ou médio porte. Um relatório assinado por profissional habilitado deverá ser apresentado para atestar o atendimento das condicionantes ambientais.
Em relação a qualquer tipo de licença, se o requerimento for apresentado com antecedência mínima de 120 dias do fim da licença original, o prazo de validade será automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva da autoridade licenciadora.
A SBPC levanta preocupações sobre o aumento potencial de emissões de carbono com a proposição de licenças automáticas, com base apenas na autodeclaração do empreendedor. Para a SBPC, esse processo desconsidera análises técnicas prévias e os efeitos futuros sobre as emissões nacionais de gases de efeito estufa e sobre recursos naturais, incluindo a biodiversidade do país, colocando em risco o papel do Estado em prevenir danos.
Recursos Humanos e a Ausência de Relatórios de Carência
A Câmara aprovou ainda uma emenda que exclui dispositivo que determinava aos órgãos de licenciamento ambiental e às autoridades envolvidas a apresentação de um relatório sobre os recursos humanos necessários ao cumprimento da lei de licenciamento. O Poder Executivo deveria dar resposta sobre o atendimento ou não das carências relatadas. A exclusão desse dispositivo levanta preocupações sobre a capacidade dos órgãos ambientais de fiscalizar e acompanhar os empreendimentos licenciados, especialmente com a flexibilização das regras propostas.
Alertas da Comunidade Científica e Jurídica
Diversas instituições têm se manifestado contra o PL 2159/21, alertando para os riscos de insegurança jurídica, retrocesso ambiental e o impacto na imagem do Brasil no cenário internacional.
O Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) alerta para os riscos de insegurança jurídica e retrocesso na tramitação acelerada do Projeto de Lei. O presidente do IASP, Diogo Leonardo Machado de Melo, afirma que a morosidade e a burocracia da legislação atual não podem justificar o apressamento da aprovação sem o devido debate público. Embora o PL traga avanços ao buscar consolidar uma norma geral, o texto atual apresenta graves fragilidades. O IASP conclama o Congresso Nacional a discutir o tema com profundidade e diálogo para evitar insegurança jurídica e intensa judicialização.
A entidade também ressalta a falta de menção à obrigatoriedade da consulta livre, prévia e informada (CLPI), prevista na Convenção Internacional da OIT 169, para comunidades indígenas e tribais afetadas diretamente por medidas legislativas e administrativas, incluindo licenças ambientais. Essa previsão, segundo o IASP, é absolutamente necessária, na medida em que o Ministério Público vem buscando a suspensão de importantes licenciamentos ambientais diante da ausência de consulta de comunidades tradicionais em geral.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com aval de mais de 160 instituições, detalha os impactos da medida para o meio ambiente em um manifesto. O documento destaca que o PL ignora solenemente o estado de emergência climática em que a humanidade se encontra, e o fato de que quatro biomas brasileiros (Floresta Amazônica, Cerrado, Pantanal e Caatinga) estão muito próximos dos chamados “pontos de não retorno”.
Se ultrapassados esses pontos, esses biomas poderão entrar em colapso ambiental, deixando de prestar seus múltiplos serviços ecossistêmicos. A SBPC ressalta que a ciência já demonstrou, com fartas evidências, que para evitar o colapso é necessário, urgentemente, zerar a destruição da vegetação nativa, combater os incêndios e a degradação ambiental e iniciar a restauração em grande escala desses biomas, incluindo a Mata Atlântica.
O manifesto da SBPC aponta que a nova lei fere acordos internacionais e representa uma afronta à ciência produzida no Brasil e no mundo. Entre os efeitos nocivos do PL são citados: aumento potencial de emissões de carbono, dispensa de licenciamento para o agronegócio, desvinculação do licenciamento da outorga de uso da água, ameaça às Unidades de Conservação, ameaças a direitos dos povos e comunidades tradicionais, condicionantes ambientais fragilizadas, inexistência de uma lista mínima de atividades sujeitas ao licenciamento, além da criação da Licença Ambiental Especial.
A SBPC reforça que a Constituição Federal de 1988 prevê o licenciamento ambiental como matéria para garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental, e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. O PL, segundo a SBPC, ameaça esse direito que é de todos os brasileiros, um direito fundamental para um futuro minimamente promissor num mundo sob estado de “emergência climática”.
A SBPC ainda pontua que a desvinculação do licenciamento da outorga de uso da água, proposta pelo PL, desconsidera que a outorga de uso da água é um instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos, de gestão da água, fundamental para garantir segurança hídrica e o acesso à água em qualidade e quantidade. Dessa maneira, a análise do licenciamento ambiental ficará totalmente prejudicada para empreendimentos que utilizam a água (como hidrelétricas, reservatórios de abastecimento público, estações de tratamento de esgotos e de efluentes).
Tal desvinculação ignora, por completo, a progressiva redução de disponibilidade de água no solo devido ao avanço da redução de chuvas já sofridas por vastas regiões do país. Em alguns biomas (Cerrado, por exemplo) mais da metade dos municípios já apresentam uma redução de água superficial da ordem de 30%. Ainda, a fragmentação do licenciamento, de forma isolada das outorgas, potencializará conflitos e tende a agravar impactos relacionados a eventos climáticos no que se refere à água.
Para a SBPC, as alterações propostas no sistema de licenciamento ambiental pelo Projeto de Lei parecem favorecer interesses particulares ou setoriais, pois ignoram as inúmeras evidências científicas que demonstram a gravidade da crise climática e ambiental em curso no país.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) repudia a aprovação do PL 2159/2021 pela Câmara dos Deputados. O IPAM avalia que o texto desmonta os pilares do licenciamento ambiental e enfraquece a capacidade do Estado de prevenir danos ao meio ambiente. Na prática, a nova lei reduz exigências para uma série de atividades potencialmente impactantes, como obras de infraestrutura, manutenção de estradas e instalações agropecuárias. Também permite que Estados flexibilizem ainda mais as regras, criando um cenário de fragmentação e insegurança jurídica.
André Guimarães, diretor executivo do IPAM, avalia que no momento em que o Brasil se prepara para um dos eventos mais importantes para o futuro da humanidade, a COP30 em Belém, o Congresso “nos brinda com uma agenda que vai na contramão de nossa liderança global: um PL que usa o correto pretexto de simplificar, para tornar o processo de licenciamento ambiental no Brasil menos transparente e mais arriscado para o meio ambiente”.
O IPAM afirma que, mais do que um retrocesso, trata-se de uma decisão que pode gerar efeitos duradouros: aumento do desmatamento, ataque aos direitos de comunidades indígenas e tradicionais, maior exposição a tragédias ambientais e o enfraquecimento da credibilidade internacional do Brasil em temas climáticos.
O instituto ressalta que, ao dispensar a consulta prévia a povos originários, desconsiderar critérios técnicos robustos e priorizar a velocidade em detrimento da análise de riscos, o texto rompe com princípios básicos da boa governança ambiental. Além disso, a aprovação do texto se dá justamente em um momento em que o país trabalha para se reposicionar como liderança na agenda do clima e da biodiversidade.
Perspectivas Futuras e o Papel do Licenciamento Ambiental
O PL 2159/21, agora encaminhado para sanção presidencial, representa uma mudança significativa na política de licenciamento ambiental brasileira. As novas regras, com a introdução da Licença Ambiental Especial (LAE) e da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), buscam simplificar e agilizar os processos, mas geram preocupações sobre a efetividade da proteção ambiental e a segurança jurídica.
A desvinculação das normas do Conama para a mineração de grande porte, a redução da participação de outros órgãos em análises de impacto, especialmente em terras indígenas e quilombolas, e as flexibilizações para o desmatamento na Mata Atlântica são pontos que têm sido amplamente criticados pela comunidade científica e por especialistas em direito ambiental. As críticas apontam para um possível aumento do desmatamento, fragilização dos direitos dos povos tradicionais e um retrocesso na agenda ambiental do país.
A aprovação do projeto em um momento em que o Brasil busca se posicionar como líder na agenda climática global, especialmente às vésperas da COP30 em Belém, levanta questionamentos sobre a coerência da política ambiental brasileira. A forma como o projeto foi aprovado, com tramitação acelerada e sem o debate público aprofundado, também é motivo de preocupação para as instituições que defendem uma abordagem mais técnica e participativa para o licenciamento ambiental.
A sanção presidencial definirá o futuro da legislação ambiental no Brasil e os impactos que as novas regras terão sobre a proteção dos biomas, os direitos das comunidades e a imagem internacional do país. A expectativa é que a sociedade civil e as instituições continuem a monitorar de perto os desdobramentos dessa importante legislação, que pode moldar o cenário ambiental brasileiro nas próximas décadas.