Nos últimos anos vimos crescer de forma expoente o número de projetos que estampam com orgulho os selos ESG, numa tentativa legítima – ao menos em teoria – de alinhar os interesses empresariais às boas práticas ambientais, sociais e de governança. No entanto, quando colocamos a lupa sobre muitos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs), salta aos olhos uma negligência recorrente: a ausência ou a superficialidade das questões geotécnicas.
Esse é um ponto crítico. Ignorar o risco geotécnico em projetos de infraestrutura não é apenas uma falha técnica — é um equívoco ético. Significa tratar como “ambientalmente responsável” um projeto que pode, por exemplo, provocar deslizamentos de terra, comprometer a estabilidade de barragens ou gerar contaminações subterrâneas por colapsos inesperados de solo. Ou seja, estamos falando de riscos que podem gerar desastres ambientais, sociais e econômicos. Que ESG é esse?
Geotecnia é, por definição, o ramo da engenharia que estuda o comportamento do solo e das rochas diante das intervenções humanas. Quando um estudo ambiental ignora esse fator, ele deixa de cumprir o que promete: avaliar de forma abrangente e profunda os impactos que um empreendimento pode causar.
Um levantamento do National Institute of Building Sciences dos EUA indica que cada dólar investido em prevenção de riscos naturais, incluindo análise geotécnica, gera, em média, uma economia de US$6 em resposta a desastres. No Brasil, segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), entre 2013 e 2022 mais de 3.400 municípios relataram ocorrências de deslizamentos ou colapso de encostas. Muitas dessas tragédias poderiam ter sido evitadas com estudos técnicos mais rigorosos.
A agenda ESG precisa ser mais do que uma sigla em relatórios corporativos ou uma estratégia de marketing verde. Governança, no contexto de infraestrutura, significa garantir que as decisões técnicas sejam tomadas com base em dados e critérios científicos, não apenas em prazos e orçamentos. Do ponto de vista ambiental, é impossível falar em proteção dos ecossistemas se não considerarmos as dinâmicas do subsolo onde esses ecossistemas estão ancorados.
O licenciamento ambiental, portanto, deve ser tratado como uma oportunidade de prevenir riscos de forma sistêmica e responsável. Estudos geotécnicos não são acessórios, eles são fundamentais para a segurança das pessoas, para a durabilidade das obras e para a integridade das áreas naturais afetadas.
Cada vez mais investidores institucionais e órgãos financiadores estão atentos à consistência dos critérios ESG aplicados nos projetos. Quando um empreendimento apresenta um EIA frágil, que ignora aspectos essenciais como estabilidade de solo, ele não apenas se torna mais arriscado tecnicamente como também se mostra questionável do ponto de vista reputacional e jurídico. O custo de um desastre geotécnico vai muito além do material: abala a credibilidade da empresa, gera passivos judiciais e, muitas vezes, destrói comunidades inteiras.
Chegou a hora de abandonar as práticas de “ESG de fachada”. O compromisso com a sustentabilidade precisa ser técnico, transparente e mensurável. Incorporar a geotecnia nos estudos ambientais não é apenas uma exigência de engenharia é uma demonstração de responsabilidade com o futuro. ESG, quando feito de verdade, começa no subsolo.
Luciano Machado, CEO da MMF Projetos de Infraestrutura