quarta-feira, julho 23, 2025

LBI: Uma década de esperança e luta por uma inclusão real

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Há dez anos, em 6 de julho de 2015, o Brasil dava um passo monumental em direção à justiça social com a sanção da Lei nº 13.146, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Mais do que um conjunto de artigos e parágrafos, a LBI nasceu como um farol de esperança, prometendo uma nação onde a diversidade não seria apenas tolerada, mas celebrada, e onde cada indivíduo, independentemente de suas habilidades, teria seu direito à plena cidadania garantido. Uma década se passou, e a pergunta que ecoa é: onde estamos nessa jornada? O que se tornou essa promessa de inclusão?

É inegável que a LBI trouxe avanços significativos. Vimos portas se abrindo no mercado de trabalho, com programas de capacitação e incentivos fiscais que, timidamente, começam a desenhar um cenário mais justo. Na educação, a lei fortaleceu o conceito de sala de aula inclusiva, assegurando o atendimento educacional especializado. Essas conquistas não são apenas números; são vidas transformadas, são sorrisos de quem finalmente encontra seu lugar, são talentos que florescem onde antes havia apenas barreiras. São histórias como a de Bianca Gonçalves Ribas, atleta da bocha paralímpica, que através do esporte encontrou não só medalhas, mas autoestima e um propósito, provando que a deficiência está, na verdade, no espaço que ocupamos, e não nas pessoas.

No entanto, a emoção que nos move a celebrar essas vitórias é a mesma que nos impulsiona a enfrentar as duras realidades que ainda persistem. A inclusão, para muitos, ainda é uma utopia, um ideal que se choca com a frieza dos números e a persistência do preconceito. No sistema educacional, a infraestrutura adaptada ainda é um privilégio para poucos: apenas 55% das escolas de ensino fundamental inicial possuem as adaptações necessárias, um abismo que se alarga para centenas de milhares de estudantes que enfrentam barreiras físicas diárias, de acordo com estudo do IBGE, de 2022. A escolaridade é um desafio ainda maior, com 63,1% das pessoas com deficiência de 25 anos ou mais sem ter concluído o ensino fundamental, quase o dobro da proporção entre aqueles sem deficiência, como aponta último censo realizado pela instituição. Esses dados não são meras estatísticas; são gritos silenciosos de oportunidades perdidas, de sonhos adiados, de potenciais inexplorados.

O mercado de trabalho, apesar dos avanços, ainda reflete uma desigualdade gritante. A Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD), realizada pelo IBGE, revela que a taxa de desemprego entre pessoas com deficiência é ligeiramente superior à da população sem deficiência, e a participação na força de trabalho é drasticamente menor: apenas 29,2% contra 66,4%. Essa disparidade não é apenas econômica; é um reflexo do capacitismo estrutural, um preconceito insidioso que desvaloriza habilidades e talentos sob o véu da “incapacidade”. 

É um preconceito que se manifesta em piadas, termos pejorativos e até mesmo em elogios condescendentes que, sem perceber, reforçam estigmas e diminuem a dignidade humana. O impacto emocional da exclusão é profundo, levando a sentimentos de solidão e depressão, que são frequentemente exacerbados pela falta de interação social.

Enfrentar o capacitismo exige uma mudança cultural profunda, que começa em cada um de nós. É preciso educar, conscientizar e, acima de tudo, dar voz à própria comunidade de pessoas com deficiência. Suas histórias, suas lutas e suas vitórias são as ferramentas mais poderosas para desconstruir estereótipos e consolidar o respeito à diferença. A inclusão não é um favor, mas um direito, e a sociedade tem o dever de garantir que esse direito seja exercido em sua plenitude.

Para que a LBI cumpra sua promessa e a inclusão deixe de ser uma utopia para se tornar uma realidade palpável, é imperativo que o Brasil renove seu compromisso com a causa. Sugerem-se alguns eixos de ação, que devem ser abraçados com urgência e paixão:

  • Acessibilidade universal: Ir além do físico, alcançando o digital. Sites, aplicativos e plataformas devem ser desenhados para todos, sem exceção.
  • Formação continuada de profissionais: Investir na capacitação de educadores e trabalhadores, munindo-os de metodologias inclusivas e tecnologias assistivas.
  • Incentivos à contratação: Reforçar programas de inserção no mercado, aprimorar benefícios fiscais para empresas que contratam pessoas com deficiência, e garantir planos de carreira e ambientes de trabalho verdadeiramente acessíveis.
  • Fiscalização e responsabilização: Criar mecanismos eficazes para apurar e punir violações de direitos, garantindo reparação às vítimas e dissuasão de condutas discriminatórias. A lei existe para ser cumprida, e a impunidade é um convite à perpetuação da injustiça.
  • Fortalecimento da representatividade: Incluir pessoas com deficiência em todas as instâncias de decisão e em todos os debates sobre políticas públicas. Ninguém melhor do que elas para expressar suas demandas e necessidades reais.

A LBI completa uma década, mas a jornada está longe do fim. Os próximos dez anos devem ser de consolidação e aprofundamento dessas conquistas. É preciso que a igualdade de oportunidades deixe de ser uma promessa distante e se traduza em atos concretos no dia a dia, em cada escola, em cada empresa, em cada rua, em cada coração. Que a emoção que nos une nesta causa seja a força motriz para construirmos um Brasil verdadeiramente acolhedor, justo e diverso, onde a inclusão não seja apenas uma lei, mas a essência de nossa humanidade.

Raquel Grieco, advogada no escritório Bosquê & Grieco Advogados.

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