Uma pesquisa desenvolvida na Universidade de Passo Fundo (UPF), no Rio Grande do Sul, traz uma proposta inovadora para enfrentar um dos maiores desafios globais: o desperdício de alimentos. O estudo investiga formas de reaproveitar resíduos alimentares para a produção de bioetanol — um biocombustível renovável — e de ração animal, contribuindo para a sustentabilidade ambiental e a economia circular.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), mais de 1 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas todos os anos, o que representa cerca de 17% de todo o alimento disponível para consumo no planeta. Essa perda tem impactos diretos na emissão de gases de efeito estufa, na poluição do solo e dos lençóis freáticos e na segurança alimentar global.
Os alimentos mais descartados no mundo são frutas, vegetais e produtos de panificação, como pães, biscoitos e massas. “É dentro desse cenário que surge a bioeconomia circular, um conceito que propõe reduzir, reutilizar e reciclar, utilizando os resíduos como matéria-prima para novos produtos”, explica Luciane Colla, professora da UPF e doutora em Engenharia e Ciência de Alimentos, que coordena o estudo.
Dez tipos de resíduos reaproveitados
O estudo analisou dez tipos de resíduos alimentares: banana, mamão, maçã, batata inglesa, batata Asterix, batata-doce, pão, macarrão, biscoito de milho e batata pré-frita. As misturas desses resíduos foram processadas por meio de técnicas de hidrólise e fermentação para a produção de bioetanol.
“O processo envolveu o pré-tratamento dos resíduos com técnicas de gelatinização e, em alguns casos, o uso combinado com ultrassom, além da aplicação de enzimas para quebrar os carboidratos. Isso favorece a conversão eficiente em bioetanol”, detalha a professora Luciane Colla.
O bioetanol gerado pode ser usado como combustível renovável, substituindo parcialmente combustíveis fósseis, além de ser matéria-prima para a indústria química, farmacêutica e de alimentos.
Ração animal como coproduto
Outro avanço do estudo foi a transformação dos resíduos pós-fermentação em ingredientes para ração animal. “Os resíduos hidrolisados apresentaram altos teores de carboidratos, proteínas e compostos bioativos, o que os torna uma alternativa viável e nutritiva para a alimentação animal”, ressalta a pesquisadora.
Os melhores resultados foram obtidos nas misturas com batatas e alimentos processados, que apresentaram as maiores eficiências no processo de hidrólise. Isso reforça a viabilidade econômica e ambiental da proposta.
Desafio logístico e oportunidades
A pesquisa também chama atenção para a necessidade de estruturar uma logística eficiente de coleta de resíduos junto a supermercados, mercados e centros de distribuição. A proposta é que esses resíduos, em vez de serem descartados, sejam destinados para processos produtivos dentro dos conceitos de biorrefinarias e bioeconomia circular.
“Consolidar esse modelo é fundamental para promover a sustentabilidade e agregar valor aos resíduos, transformando um problema ambiental em oportunidade econômica”, conclui Luciane.
O estudo contribui diretamente para o cumprimento do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número 7 da ONU, que busca garantir o acesso à energia limpa, acessível, sustentável e moderna, além de fortalecer práticas sustentáveis nas cadeias produtivas.
O projeto foi viabilizado com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Edital Universal 2021 e Fundação de Amparo à pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) – Edital Pesquisador Gaúcho 2021. Além do desenvolvimento da técnica, gerou 11 artigos científicos, a formação de seis pós-graduandos em nível de mestrado/doutorado, assim como quatro trabalhos de conclusão de curso e seis alunos de iniciação científica.