A América Latina recebeu, pela primeira vez, o Fórum Mundial de Economia Circular, que reuniu, em São Paulo, especialistas de diversos países para trocar experiências, debater estratégias e definir diretrizes para um novo modelo econômico. Em uma oportunidade única, o Brasil assumiu um protagonismo na agenda global da economia circular, trazendo para esta edição elementos da realidade do nosso país e fortalecendo que esta é uma agenda de competitividade e negócios. Agora, é inevitável pensarmos em como dar passos efetivos, por meio de debates multissetoriais e alianças público-privadas, a fim de seguirmos construindo, de fato, um legado.
O fórum trouxe mais maturidade ao tema e ganho de escala, atingindo novos públicos e regiões. O Plano Nacional de Economia Circular, com objetivos ambiciosos para os próximos dez anos, foi lançado como ferramenta-chave para guiar a indústria e os governos na estruturação de metas e de planos regionais.
Vimos os setores público e privado sentarem juntos, na tentativa de construir agendas comuns. Empresas iniciantes nesse assunto tiveram uma nova dimensão sobre a importância de repensar estruturas de negócio e cadeias de valor. A pauta do clima, inevitável em um ano em que o Brasil também sediará a COP30, também ficou em destaque e veio associada à necessidade de pensarmos em práticas de circularidade que sejam financiáveis e implementáveis – caso contrário, ficaremos limitados a projetos pontuais, sem percebermos o potencial da circularidade para a descarbonização, a preservação da biodiversidade e o ganho de capital social.
Em escala ampliada, apesar de vermos o aumento das práticas e discussões, a taxa de circularidade mantém uma alarmante tendência de baixa. Lançada durante o Fórum Mundial de Economia Circular, a nova edição do estudo Circularity Gap Report mostrou que, em 2024, a taxa global de circularidade ficou em 6,9%, uma porcentagem irrisória frente às 106 bilhões de matérias-primas utilizadas ao redor do mundo. Em 2023, essa taxa era de 7,1%, demonstrando que as taxas de exploração de recursos ainda são de 2 a 3 vezes maiores do que as ações de reparo, reuso e compartilhamento.
Mas há esperança e um caminho que pode ser construído. Para isso, destaco três pontos-chave: o engajamento e as parcerias são imprescindíveis; devemos ter inteligência em aproveitar as forças de cada ator da cadeia; e as relações de confiança serão o combustível para isso tudo.
Resumindo, esta é a governança circular que promove redes e alianças que extrapolam os limites de uma única empresa, de um único setor produtivo ou, no caso do fórum mundial, de um único evento. A transição é sistêmica e multissetorial, com metas e diretrizes pactuadas entre os atores públicos e privados, e cadeias integradas de matérias-primas, produtos e serviços.
Na dimensão social, é tempo de pensar como gerar empregos mais qualificados, que contemplem habilidades e técnicas para reparar produtos e transformar muitos deles em serviços. Para isso, também entramos em importantes aspectos de cultura e mudança de comportamento. O consumidor precisa ser inspirado para atuar nas duas extremidades da cadeia produtiva: ao final, destinando resíduos à coleta seletiva, mas também priorizando, desde o início, a compra de produtos feitos com matéria-prima reciclada. A transição depende de pessoas que valorizem um estilo de vida circular, com novos produtos e experiências de consumo.
Após sediar o principal evento do mundo no tema, a economia circular contribui diretamente para a Nova Indústria Brasil e deve ser parte relevante nos debates sobre bioeconomia, nas decisões associadas à agenda do clima, na preservação da Amazônia e no planejamento urbano para a mitigação das mudanças climáticas.
A oportunidade está posta e a escolha, em nossas mãos: alavancar a transição ou manter o status quo?
Beatriz Luz, presidente do Instituto Brasileiro de Economia Circular (Ibec) e fundadora do Hub de Economia Circular Brasil.