segunda-feira, junho 30, 2025

Entre o escritório e a saúde social: o novo desafio das empresas que querem evoluir

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Nos últimos meses, temos acompanhado um movimento que beira o retrocesso: a pressão crescente, no Brasil e no mundo, pelo retorno integral ou majoritário ao trabalho presencial. Essa demanda, muitas vezes impulsionada por percepções ultrapassadas de controle e produtividade, ignora não apenas os aprendizados mais valiosos do período pós-pandêmico, mas também as profundas transformações que moldaram a vida e a carreira de milhões de profissionais.

Como líder de RH em uma multinacional de tecnologia e transformação digital, posso afirmar com segurança: produtividade não está – e nunca esteve – atrelada à presença física constante. Controlar não é o mesmo que engajar. Um colaborador engajado é aquele que se sente valorizado, respeitado e escutado – e isso independe do CEP de onde ele trabalha.

Segundo um estudo, existe um “delta de otimismo” significativo entre o que líderes acreditam funcionar bem no modelo presencial e o que os colaboradores realmente vivenciam. Enquanto 90% dos líderes acreditam que a conectividade está funcionando, apenas 67% dos funcionários concordam. Essa desconexão mostra que muitos líderes avaliam o desempenho com base em métricas visuais – o famoso “te ver trabalhando” – enquanto ignoram aspectos mais profundos de motivação, bem-estar e autonomia.

Além disso, o retorno indiscriminado ao escritório traz impactos que vão muito além das paredes corporativas. Estamos falando de aumento no trânsito, na poluição e no consumo urbano concentrado – questões que se relacionam diretamente com as metas de ESG que tantas empresas dizem defender. Houve uma redução significativa desses impactos durante o período de trabalho remoto, e agora vemos um movimento contrário, pouco discutido em profundidade.

A tecnologia permitiu a descentralização da mão de obra e, com isso, uma distribuição de talentos muito mais equitativa pelo país. Conseguimos contratar pessoas incríveis no Norte e no Nordeste, por exemplo – talentos que não teriam essa chance se a exigência fosse viver nos grandes centros. Agora, exigir retorno presencial significa, na prática, excluir essas pessoas. É uma perda imensa, não só de diversidade, mas de inteligência, criatividade e inovação.

É claro que há nuances. A experiência presencial pode ser importante – especialmente no onboarding, como mostrou uma pesquisa da Microsoft, que indicou que mesmo pequenos encontros mensais com os gestores podem melhorar a integração e o sentimento de pertencimento. No entanto, isso não justifica jornadas diárias no escritório. O mesmo estudo apontou que presença excessiva pode prejudicar a produtividade e o alinhamento com a equipe.

Estamos diante de uma nova era que exige modelos mais humanos, flexíveis e adaptáveis. Trabalhar de forma híbrida ou remota é, cada vez mais, uma prioridade para os profissionais. Um estudo recente das universidades de Harvard, Johns Hopkins e Illinois mostrou que muitos trabalhadores aceitariam até 25% de redução salarial para permanecerem em modelos não-presenciais. Isso não é só um número: é um alerta.

Esses dados também revelam que a flexibilidade se tornou mais do que um benefício – é uma necessidade valorizada acima de compensação financeira. Para profissionais de tecnologia, que frequentemente migraram para outras cidades durante a pandemia, refizeram suas vidas longe dos grandes centros urbanos e estabeleceram novos equilíbrios entre vida pessoal e profissional, a imposição do retorno presencial representa uma ruptura significativa.

Dados recentes mostram que as visitas aos escritórios nos Estados Unidos permanecem 32,2% abaixo dos níveis de março de 2019, uma mudança mínima em relação aos 35,9% de março de 2024. Isso indica que, apesar do discurso sobre o retorno ao presencial, a transformação estrutural do trabalho é irreversível. Cidades como Nova York lideram a recuperação com apenas 11,4% de redução em relação aos níveis pré-pandemia, enquanto São Francisco e Chicago ainda estão 44,6% abaixo. Essa disparidade reflete não apenas políticas corporativas, mas mudanças demográficas e econômicas fundamentais.

Na GFT, não temos a intenção de impor um modelo presencial. Nosso mindset valoriza a autonomia, a responsabilidade e a confiança. Sabemos que há clientes com outras demandas e, nesses casos, buscamos equilíbrio – mas não sacrificamos nossa cultura ou nossa capacidade de atrair talentos por uma nostalgia do “escritório cheio”./

É necessário falar também sobre saúde. Não só a física e a mental, mas a saúde social, conceito que ganha força entre especialistas como Kasley Killam, de Harvard. Conexões humanas genuínas importam, sim – mas elas não dependem de estarmos todos, todos os dias, no mesmo lugar físico. O futuro do trabalho passa pela criação de rituais e estruturas centradas nas pessoas, que promovam vínculos, pertencimento e propósito, independentemente do modelo adotado.

O design do trabalho precisa ser centrado nas pessoas. Isso significa escutar, adaptar e co-construir ambientes – físicos e digitais – que promovam bem-estar e alto desempenho. Flexibilidade já não é um diferencial. É uma exigência. E quem não entender isso, corre o risco de perder os melhores talentos para quem entendeu. Assim, o futuro do trabalho será determinado por organizações que conseguirem equilibrar flexibilidade com conexão, autonomia com colaboração, e produtividade com sustentabilidade.

Estamos em um ponto crítico de decisão. Podemos optar por um caminho de controle e regressão – baseado em percepções desatualizadas – ou podemos avançar, acolhendo a complexidade e as possibilidades do mundo híbrido. O presencial tem seu valor, mas ele precisa ser repensado, com propósito claro e respeito à realidade de cada profissional. Aquelas organizações que insistirem em modelos rígidos de controle presencial correm o risco de ficar para trás na guerra por talentos e na construção de culturas verdadeiramente engajadas.

Transformação digital não é só sobre tecnologia. É sobre mentalidade e deve se refletir também na forma como pensamos sobre trabalho, espaço e tempo. Afinal, se podemos revolucionar processos e criar inteligências artificiais sofisticadas, certamente podemos desenhar modelos de trabalho mais inteligentes e humanos. E líderes preparados para o futuro sabem disso.

Fernanda Rodrigues, CHRO da GFT Technologies na América Latina.

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