O aumento da produtividade do trabalho é um aspecto temerário, quando o assunto é inteligência artificial (IA), que nada mais é do que uma ferramenta de produção. Nada se cria em nosso mundo que não seja pela mão humana. Mesmo a tecnologia, por mais autônoma que esta pareça, possui, no mínimo, um idealizador. Não deixemos de dizer que há nela um altíssimo desenvolvimento das forças produtivas.
O ChatGPT, o GenIA, a DeepSeek são apenas marcos de desenvolvimento dessas forças operacionais. Esse tempo que está sendo subtraído desse processo de produção vai ser colocado no bolso de empresas para que ela consiga acumular mais a partir daquele valor de trabalho extraído do colaborador.
É importante a gente perceber que esse desenvolvimento técnico está atrelado às demandas do mercado. Por que o dono da indústria vai introduzir a máquina de fiar na revolução industrial? É porque ele não acredita na autenticidade da arte? É porque a demanda desse produto no sistema em que vivemos é de aumento dessa produção, da produtividade, para a desvalorização da força de trabalho, porque isso vai significar uma diminuição dos salários.
Assim, trabalha-se mais em menos tempo. Tem-se uma diminuição proporcional da renda desses indivíduos.
A tecnologia não é neutra. Ela é um vetor de transformação que tanto pode gerar emancipação de toda sociedade quanto liquefazer os seus vínculos. O conjunto das escolhas humanas é o que determinará o rumo da própria humanidade. Falemos portanto de políticas, éticas, econômicas e culturais, que estão esgarçadas, mas começam a ser feitas agora.
É certo que há uma revolução cognitiva, em um tempo no qual a máquina já é mais rápida, tem mais expertise e erra menos. Se ela também for mais inteligente do que a gente, o que nos sobrará enquanto trabalho a ser feito? Os serviços. O paralelo com a revolução industrial é sempre suscitado por meio desta discussão. E ele é muito útil, essencialmente.
As favelas, por exemplo, são consequências das automações que ocorreram nas décadas de 40, 50 e 60. E a contingência quanto à fome e outras garantias básicas não foram sanadas com as atualizações históricas que vivenciamos nos últimos 70 anos. O que ocorrerá quando uma quantidade incalculável de pessoas ficar desempregada?
É fato, ao contrário do que muitos preconizam, que não haverá uma extinção desses setores. O trunfo que jaz em nossas mãos é a escolha. Não no sentido individual, mas no contexto pelo qual seja abarcado todo o coletivo. Daí poderemos questionar: quais usos da IA queremos incentivar? Como queremos proteger os mais vulneráveis ? Quais valores humanos devem guiar o desenvolvimento tecnológico? Sem consciência, a tecnologia adquirirá os incentivos dominantes como lucro, velocidade e controle.
A mudança tecnológica pode ser uma forma de seleção “artificial”. Mas, em vez de selecionarmos os mais fortes, sobreviverão a isto os mais preparados, os mais adaptáveis e os mais protegidos por políticas públicas. É uma escolha legada do homem para o homem quanto ao que é concernente à IA, enquanto ferramenta que serve para ampliar a dignidade humana ou para aprofundar as desigualdades.
Para que esta tecnologia trabalhe pela inclusão e dignidade das pessoas, é necessário que haja educação contínua e requalificação profissional; renda básica ou apoio à transição; regulamentação ética e democrática da IA; fomento à inovação com responsabilidade social; proteção de dados e privacidade; e diálogo social permanente sobre tecnologia.
Esta ferramenta deve estar a serviço de um projeto político e social em vez de atender exclusivamente o capital e o mercado. Assim, corre-se o risco de haver no mundo proficiente em um meio profundamente injusto e desigual.
Rogério Athayde, CTO da keeggo.