O cenário global tem sido marcado por intensas disputas ideológicas e o recente avanço de discursos “anti-ESG” nos Estados Unidos é um exemplo emblemático. As críticas a investimentos e políticas fundamentados em critérios ambientais, sociais e de governança vêm ganhando espaço em determinados setores, colocando em xeque a legitimidade dessas agendas. No entanto, é fundamental que esse movimento não contamine a compreensão das especificidades brasileiras, especialmente no que diz respeito à pauta de Diversidade e Inclusão (D&I). O Brasil não só deve seguir avançando nessa frente, como também reforçar a convicção de que a diversidade é um pilar estrutural, estratégico e cultural indispensável ao desenvolvimento sustentável do país.
Ao contrário do que muitos imaginam, o debate em terras brasileiras não é uma mera adesão a modismos internacionais, mas uma resposta necessária a uma realidade social profundamente marcada por desigualdades históricas. Dados recentes do IBGE deixam isso claro: mesmo com uma leve redução na desigualdade, a distância entre os mais ricos e os mais pobres segue assustadora. Em 2024, os 10% mais ricos ganhavam em média 13,4 vezes mais que os 40% menos favorecidos. Para se ter uma dimensão, o 1% mais abastado da população recebia algo próximo de R$ 21.767, enquanto os 40% mais pobres mal alcançavam R$ 601. Isso revela que a D&I não é um luxo, um adorno para embelezar políticas corporativas, mas um mecanismo urgente para criar oportunidades mais justas no mercado de trabalho e ampliar o acesso ao consumo.
Outro dado que fortalece essa tese é a composição racial do país. Segundo o IBGE, mais da metade da população se autodeclara preta ou parda, um fato que não pode ser ignorado por organizações que almejam relevância e conexão autêntica com o público brasileiro. A ausência dessa representatividade nas empresas é um desserviço à sociedade e ao próprio negócio. E o cenário de gênero não é diferente. Apesar das mulheres representarem a maioria da força de trabalho, elas permanecem sub-representadas em cargos de liderança. Essa disparidade revela que o Brasil ainda tem um longo caminho para que a inclusão se torne realidade plena, o que torna a pauta de D&I ainda mais urgente e necessária.
Além das questões sociais e demográficas, o olhar do consumidor brasileiro reforça o valor da diversidade como um diferencial competitivo que não pode ser desprezado. Pesquisa da Grupo Croma (Oldiversity, 2023) mostra que 67% dos brasileiros admiram marcas que apoiam a diversidade, e 59% passam a consumir produtos ou serviços dessas empresas. Ou seja, para o público local, D&I não é discurso vazio, mas sim fator decisivo na decisão de compra, algo que impacta diretamente no sucesso das organizações. Essa realidade não pode ser substituída ou minimizada pelos ventos contrários que sopram nos EUA.
Vale destacar ainda que, no Brasil, a Diversidade e Inclusão conta com amparo legal robusto, como a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (Lei nº 8.213/91), que obriga empresas com mais de 100 funcionários a contratá-las. Este respaldo jurídico reforça que D&I não é uma iniciativa voluntária ou um modismo passageiro, mas uma política estruturada e perene, alinhada a um compromisso social que transcende fronteiras corporativas.
Portanto, a recente onda “anti-ESG” americana, embebida de posicionamentos políticos e ideológicos, não deve servir de justificativa para retrocessos ou hesitações no Brasil. O país, com sua complexidade social e histórica, precisa trilhar um caminho próprio, onde a diversidade seja reconhecida como pilar estratégico, social e econômico. Abandonar essa agenda seria abrir mão da inovação, da competitividade e da construção de uma sociedade mais justa. No fundo, investir em Diversidade e Inclusão é investir no próprio potencial do Brasil, um país que não pode nem deve ignorar a pluralidade que o define.
Enquanto os debates acalorados sobre ESG ocupam manchetes estrangeiras, o Brasil tem uma urgência clara: avançar na inclusão real, nas oportunidades equitativas e na valorização das diferenças que compõem sua identidade. A Diversidade e Inclusão aqui não são uma questão de escolha; são a própria base para um futuro sustentável, inovador e próspero. E esse caminho, ao contrário do que alguns tentam minimizar, é inegociável.
Kátia Assad, fundadora da Consultoria de Saúde Mental Psico.delas, psicóloga clínica, coach e educadora há mais de 30 anos, com experiência em atendimentos clínicos, palestras e treinamentos corporativos.