segunda-feira, junho 16, 2025

Avanços Legislativos nas Finanças Sustentáveis: O Projeto de Lei das Debêntures Verdes em Debate

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A crescente relevância dos critérios ambientais, sociais e de governança (ESG) nas decisões de investimento tem impulsionado significativamente o mercado de títulos de dívida vinculados à sustentabilidade.

No Brasil, embora o mercado de títulos sustentáveis ainda esteja em fase de consolidação, observa-se uma movimentação legislativa e institucional crescente voltada à criação de arcabouço normativo que favoreça o desenvolvimento dessas modalidades de financiamento verde, inclusive no âmbito do mercado de capitais e na emissão de títulos privados. Nesse contexto, destaca-se o Projeto de Lei nº 4.464/2021, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), atualmente em tramitação na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal.

A proposta busca estabelecer diretrizes específicas para a emissão de títulos sustentáveis, ampliando a segurança jurídica e estimulando a adesão do setor privado à agenda de finanças verdes, já consolidada nos mercados europeus, por exemplo. Tais medidas legislativas integram um esforço mais amplo de incorporação dos instrumentos financeiros sustentáveis à política pública nacional, evidenciando o alinhamento progressivo do Brasil com os compromissos internacionais voltados à mitigação das mudanças climáticas e à transição para uma economia de baixo carbono.

Os títulos de dívida vinculados a metas ambientais, comumente identificados como debêntures verdes, green bonds ou sustainability-linked bonds são valores mobiliários emitidos por entes privados com o objetivo específico de captar recursos destinados à implementação de projetos com impactos socioambientais positivos, a exemplo das debêntures incentivadas, previstas na Lei Federal nº 12.431/2011. Caso aprovada, a medida permitirá que os rendimentos auferidos por investidores – sejam pessoas físicas ou jurídicas – oriundos de debêntures verdes se beneficiem de isenção ou alíquota reduzida de Imposto de Renda, nos moldes já da referida lei federal.

Tal mecanismo tributário funciona como um instrumento de fomento ao financiamento privado de projetos de infraestrutura e sustentabilidade, ampliando a atratividade desses ativos no mercado de capitais e incentivando o redirecionamento de recursos para empreendimentos ambientalmente responsáveis. Vale ressaltar que a recente Medida Provisória nº 1.303/2025 promoveu alterações significativas no regime tributário de diversos títulos, sendo que para as Debêntures da Lei Federal nº 12.431/2011, acabou com a isenção da pessoa física – que passam a pagar 5% (cinco por cento), exclusivamente na fonte, relativamente a debêntures emitidas e integralizadas após 31 de dezembro de 2025. A mesma alíquota será aplicada aos rendimentos decorrentes das Debêntures de Infraestrutura, criadas pela Lei Federal nº 14.801/2024, quando auferidos pelos fundos isentos ou sujeitos à alíquota reduzida no resgate, na amortização e na alienação de cotas ou na distribuição de rendimentos.

Caio Watanabe

Esses instrumentos integram a categoria mais ampla dos títulos verdes (Green Bonds), os quais têm como característica essencial a finalidade vinculada ao financiamento de atividades alinhadas aos princípios da sustentabilidade. A emissão e a negociação desses ativos inserem-se no escopo da agenda ESG (Environmental, Social and Governance), um conjunto de parâmetros que vem sendo progressivamente incorporado à lógica de funcionamento dos mercados de capitais, influenciando tanto a tomada de decisões de investimento quanto a conformação regulatória das práticas empresariais.

A Lei Federal nº 14.801/2024 também promoveu alterações ao marco legal das debêntures incentivadas visando a priorização de projetos que gerem benefícios ambientais ou sociais relevantes. O novo regulamento desses títulos está alinhado ao Plano de Transformação Ecológica, iniciativa do Governo Federal liderada pelo Ministério da Fazenda com o objetivo de construir políticas públicas e ferramentas estratégicas para que a sociedade como um todo seja impulsionada a um novo patamar de desenvolvimento sustentável e tecnológico.

O novo decreto que regulamentou as Debêntures Incentivadas e de Infraestrutura estabelece que as emissões cujos valores captados sejam utilizados exclusivamente em projetos de investimento que proporcionem benefícios ambientais ou sociais relevantes, terão prioridade: (a) na avaliação do requerimento de registro de oferta pública pela CVM; e (b) nos trâmites para aprovação prévia dos projetos nos Ministérios setoriais, quando exigida.

Sob a ótica jurídica, as debêntures verdes representam uma ferramenta inovadora de governança corporativa e de gestão de riscos ambientais, cuja normatização e efetividade dependem, cada vez mais, de marcos regulatórios claros, mecanismos de transparência e monitoramento, bem como da articulação entre políticas públicas e diretrizes privadas de sustentabilidade.

Bruno Vinciprova Pileggi,

O Projeto de Lei das debêntures verdes representa um avanço relevante na regulação do mercado de títulos de dívida com finalidade sustentável no Brasil, ao propor parâmetros objetivos para o enquadramento de projetos financiáveis por meio desses instrumentos. A iniciativa busca conferir maior segurança jurídica, previsibilidade e credibilidade à emissão de debêntures vinculadas a critérios ESG, estimulando a mobilização de capital privado em favor da transição ecológica, que apesar de terem respaldo no Decreto acima mencionado e am algumas portarias ministeriais, passariam a ter a mesma segurança jurídica que as Debêntures Incentivadas e de Infraestrutura.

O texto legal em análise estabelece um rol exemplificativo de áreas temáticas elegíveis ao financiamento por meio de debêntures sustentáveis, com o intuito de alinhar o mercado nacional às melhores práticas internacionais. As diretrizes contemplam doze eixos estruturantes, abrangendo desde a transição energética até a economia circular. São eles:

  1. Geração, transmissão e distribuição de energia renovável de baixo carbono;
  2. Eficiência energética, com foco na redução do consumo e das perdas nos sistemas produtivos;
  3. Prevenção e controle da poluição, incluindo medidas para evitar a emissão de poluentes no solo, na água e no ar;
  4. Proteção de ecossistemas naturais, recuperação de áreas degradadas e restauração de recursos ambientais;
  5. Agropecuária sustentável, com práticas de baixa emissão de carbono;
  6. Transporte limpo e de baixa emissão, promovendo a redução da pegada de carbono na mobilidade;
  7. Gestão sustentável dos recursos hídricos, garantindo o uso racional e a preservação da água;
  8. Infraestrutura de saneamento ambientalmente sustentável, abrangendo sistemas de abastecimento, esgotamento sanitário, drenagem urbana e manejo de resíduos sólidos;
  9. Gestão adequada dos resíduos sólidos, com incentivo à reciclagem, compostagem, reaproveitamento energético e outras formas de destinação ambientalmente responsável;
  10. Adaptação e resposta às mudanças climáticas, incluindo projetos de resiliência e prevenção de desastres;
  11. Economia circular, por meio de modelos produtivos baseados na reutilização, compartilhamento e prolongamento do ciclo de vida dos produtos;
  12. Sistemas construtivos sustentáveis, com ênfase em técnicas e materiais que minimizem impactos ambientais.

A consolidação desse marco regulatório será fundamental para posicionar o Brasil como um protagonista no mercado de finanças sustentáveis, fomentando investimentos responsáveis e compatíveis com os compromissos climáticos internacionais assumidos pelo país, como o Acordo de Paris.

Douglas Nadalini, sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, atuação em Ambiental/ESG, Agrário e Agronegócio. Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Possui especialização em Direito Tributário e em Processo Tributário pelo Instituto de Estudos Tributários / Instituto Brasileiro de Direito Tributário da Universidade de São Paulo (USP) e em Direito Ambiental pela Faculdade de Direito e pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

Caio Watanabe Rocha de Mello, sócio do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, atuação em Mercado de Capitais, Agrário e Agronegócio. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-Graduado em Direito dos Contratos pela Fundação Getúlio Vargas (FGLaw). Pós-Graduado em Direito e Economia dos Sistemas Agroindustriais pela Faculdade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Mestrando em Direito dos Negócios pela FGLaw. Sócio da área de Mercado de Capitais, especialista em Direito e Economia dos Sistemas Agroindustriais. Com mais de 15 anos experiência na área de mercado de capitais, atuando em contratos e ofertas públicas de CRI, CRA e outros títulos, como CCB, CCI, CPR, Notas Comerciais e Debêntures, assim como na constituição e funcionamento de FII, FIAGRO e realização de auditorias jurídicas. Sua atuação também compreende a participação em processos de dispensa de registro de ofertas públicas de contratos de investimento coletivo, credenciamento de pessoas físicas e jurídicas perante a CVM para prestação de serviços de gestão de recursos de terceiros. Possui grande experiência na estruturação, constituição e distribuição de cotas de outros fundos estruturados como FIP e FIDC, bem como de fundos financeiros (FIF).

Bruno Vinciprova Pileggi, advogado do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra, atuação em Ambiental / ESG. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2016. Especialização em Filosofia e Sociologia pelo Institut d’Études Politiques de Paris — Sciences Po. Mestrado em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui sólida experiência nas áreas de consultoria e contencioso ambiental, com atuação destacada em operações de M&A e financiamentos, auditorias legais, estruturação de projetos, processos de licenciamento ambiental, bem como na elaboração de pareceres jurídicos e respostas a consultas especializadas. É também atuante na área de ESG (Environmental, Social and Governance), tendo contribuído para o desenvolvimento dessa prática no cenário jurídico brasileiro. Além de sua atuação no campo do contencioso judicial e administrativo, atua na resolução consensual de conflitos, incluindo a negociação de Termos de Compromisso e Termos de Ajustamento de Conduta, representando clientes nacionais e estrangeiros dos mais diversos setores econômicos. Dentre os segmentos atendidos, destacam-se os setores de energia, petróleo e gás, mineração e siderurgia, indústria química, transportes, telecomunicações, mercado imobiliário, saneamento e gestão de resíduos, agronegócio, papel e celulose e exploração florestal. É membro efetivo da Comissão Permanente de Meio Ambiente e da Comissão Especial do Clima da OAB/SP, reforçando seu engajamento com os debates e tendências regulatórias em âmbito nacional e internacional.

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