Seis em cada dez indústrias brasileiras adotam práticas de economia circular, segundo sondagem especial da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Entre os principais benefícios percebidos pelas empresas estão a redução de custos, o fortalecimento da imagem corporativa e o estímulo à inovação (veja mais abaixo). O levantamento ouviu 1.708 empresas das indústrias extrativa, de transformação e da construção civil, entre 3 e 13 de fevereiro de 2025.
A sondagem detalhou quais são as práticas circulares mais adotadas pelas indústrias brasileiras. A ação mais frequente é a reciclagem de produtos, presente em um terço das empresas. Em seguida, aparecem o uso de matéria-prima secundária nos processos produtivos (30%) e o desenvolvimento de produtos com foco na durabilidade (29%).
Nível de circularidade varia entre setores industriais
Os dados mostram a presença da circularidade nas estratégias industriais em diferentes setores, muitos com níveis altos de adoção de práticas. Como de calçados, por exemplo, em que 86% das empresas afirmam adotar medidas circulares. Biocombustíveis (82%), equipamentos eletrônicos e veículos (ambos com 81%), coque e derivados de petróleo (80%) e celulose e papel (79%) também aparecem com altas proporções. Por outro lado, setores como o farmacêutico (33%), construção civil (39% a 42%) e impressão (40%) apresentam índices mais baixos.
“A indústria, por seu perfil tão diverso, apresenta diferentes níveis de adoção da circularidade entre os setores. Os dados nos ajudam a identificar quais setores têm mais desafios e quais já incorporaram as práticas para que possamos discutir políticas adequadas para a maior disseminação da economia circular, considerando as diferenças de complexidade nas cadeias produtivas dos setores. Entendemos que o tema é peça-chave para o alcance das metas climáticas e para o desenvolvimento sustentável”, afirma Roberto Muniz, diretor de Relações Institucionais da CNI.
Os resultados do levantamento serão apresentados durante a nona edição do Fórum Mundial de Economia Circular, que ocorrerá de 13 a 16 de maio, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. O evento é promovido pelo Fundo de Inovação da Finlândia, Sitra, em parceria com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
Muniz destaca ainda que o Fórum Mundial de Economia Circular prepara o terreno para as contribuições da indústria brasileira na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30). “A realização do evento em SP é um passo importante para posicionar a circularidade como um eixo estratégico nas discussões da COP30. O evento permite antecipar soluções que integram inovação, competitividade e compromisso climático”, completa.
Custos, reputação e inovação são vantagens mais citadas
Para 35% das empresas consultadas, a principal vantagem associada à economia circular é a redução de custos operacionais. A melhoria da imagem corporativa (32%) e o estímulo à inovação (30%) também foram apontados como benefícios relevantes.
Além de ganhos econômicos diretos, como a diminuição de gastos com insumos e energia, a economia circular também é destacada por estudos como um modelo de criação de valor.
A consultoria McKinsey estima que práticas circulares podem reduzir custos de produção em até 20% e elevar a receita em até 15%. Já a Accenture projeta que modelos circulares podem movimentar até US$ 4,5 trilhões até 2030. No Brasil, um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre o compartilhamento de paletes entre distribuidores e varejistas apontou redução de até 38% nos custos operacionais.
“A indústria brasileira tem se engajado ativamente na transição para uma economia circular. Estamos contribuindo com propostas para a Estratégia Nacional de Economia Circular e demonstrando, na prática, como esse modelo pode gerar ganhos ambientais, econômicos e sociais. A economia circular é um pilar estratégico para a competitividade do setor industrial e para o desenvolvimento sustentável do país”, destaca Davi Bomtempo, superintendente de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI.
Cultura, financiamento e inovação são os principais desafios mapeados
Embora 62% das indústrias adotem ao menos uma prática de economia circular, a sondagem mapeou desafios que ainda limitam o avanço das iniciativas.
Entre os aspectos culturais e educacionais, 43% das indústrias afirmam não conseguir identificar quais fatores representam barreiras à circularidade. Entre aquelas que conseguem, 25% apontam a falta de conscientização dos consumidores e 23% mencionam a ausência de estratégias para engajá-los.
Do ponto de vista econômico, a taxa de juros de financiamento foi o fator mais citado, apontado por 22% das empresas como principal obstáculo. A limitação da oferta de soluções circulares economicamente viáveis (20%) e a percepção de que há baixa demanda por esses produtos e serviços (19%) também aparecem como entraves.
No campo tecnológico, 30% das empresas destacam a viabilidade econômica das tecnologias como o principal desafio. A ausência de mão de obra qualificada aparece na sequência (26%), seguida pela baixa colaboração entre empresas e instituições de ciência e tecnologia (23%). A pesquisa ainda revelou diferenças importantes entre os portes de empresa: nas pequenas, a falta de mão de obra tem peso maior, enquanto nas grandes, os desafios se concentram em investimento e inovação.
Demanda por regulamentações mais simples e articuladas
As regulamentações em vigor também são apontadas como fatores que influenciam a adoção de práticas circulares. No caso das normas tributárias, 45% das empresas consideram que a atual estrutura dificulta a implementação da economia circular. Para as regulamentações econômicas, esse percentual é de 40%.
Questionadas sobre medidas prioritárias que o governo poderia adotar no campo regulatório, 53% das empresas sugerem a simplificação das normas. A convergência entre regulamentações federais, estaduais e municipais é citada por 31% dos respondentes, enquanto 23% defendem o alinhamento entre diferentes tipos de regulação — como as ambientais, sanitárias e tributárias.
Contexto global
O avanço de práticas industriais mais eficientes é considerado essencial diante dos desafios globais. Segundo o Global Resources Outlook 2024, a extração de recursos naturais triplicou desde 1970, saltando de 30 para 106 bilhões de toneladas. Sem ações estruturais, esse número pode aumentar 60% até 2060. A expectativa é que o consumo global de materiais, como biomassa, combustíveis fósseis, metais e minerais, dobre nos próximos 40 anos, enquanto a geração anual de resíduos aumente 70% até 2050.
A economia circular propõe uma abordagem sistêmica para reduzir o uso de recursos, minimizar resíduos e regenerar sistemas naturais. No contexto industrial, isso se traduz em práticas voltadas à retenção de valor dos materiais, reaproveitamento de insumos e redesenho dos processos produtivos.
Histórico de pesquisa em economia circular
Em 2024, a CNI realizou uma consulta com 253 indústrias de transformação e da construção civil sobre economia circular na qual 85% declararam adotar práticas de economia circular.
Por diferença de escopo e metodologia, no entanto, os dados de 2024 e 2025 não podem ser comparados. Além do número menor de empresas participantes, a sondagem de 2024 apresentou uma lista mais ampla de exemplos de práticas circulares.
A sondagem atual priorizou práticas de economia circular com maior grau de maturidade. Nesta edição, foram consultadas 1.411 empresas das indústrias extrativa e de transformação — sendo 573 pequenas, 504 médias e 334 grandes —, além de 297 empresas da construção civil.
Agenda institucional
A CNI atua para fomentar a adoção da economia circular no país. A instituição lidera o grupo de trabalho responsável por propor um ambiente normativo favorável à circularidade, um dos cinco eixos estruturantes do Plano Nacional de Economia Circular (Planec), aprovado pelo governo federal na última quinta-feira (8).