Em 2023, foi acrescentado ao Anexo A da Convenção de Estocolmo o Dechlorane Plus, juntamente com outras substâncias químicas, visando à eliminação do uso de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) pelos países signatários. Em que pese a proibição ainda não estar vigente no Brasil, ou seja, seu uso ainda não está formalmente proibido, a inclusão já impacta a tomada de decisão das empresas que possuem em seus produtos ou processos produtivos tais substâncias químicas. Isso ocorre porque, ao serem classificadas como POPs, essas substâncias passam a estar sob maior escrutínio regulatório global, podendo gerar implicações comerciais, exigências de substituição por alternativas menos prejudiciais e custos adicionais com conformidade ambiental.
A Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) é um tratado internacional que visa eliminar ou restringir a produção e uso de POPs devido aos seus impactos adversos na saúde humana e no meio ambiente. Essas substâncias são caracterizadas por sua persistência no ambiente, capacidade de bioacumulação e potencial de transporte a longas distâncias. Embora sua aplicação concreta dependa de regulamentações internas, a Convenção impacta as empresas brasileiras, especialmente quanto às obrigações de logística reversa.
Adotada em 2001 e entrando em vigor em 2004, a Convenção inicialmente abordou 12 POPs conhecidos como os “Doze Sujos”. Desde então, novas substâncias foram adicionadas à lista, refletindo o compromisso contínuo dos países signatários em combater os riscos associados a esses poluentes. Vale lembrar que o Anexo A da Convenção de Estocolmo trata das substâncias proibidas a serem eliminadas, dado seu elevado grau de toxicidade.

Desde a sua adoção, a Convenção de Estocolmo ampliou a lista de POPs para incluir novas substâncias. Em 2009, nove substâncias foram adicionadas, seguidas pelo Endossulfam em 2011. Em 2013, o Hexabromociclododecano foi incluído. Na Conferência das Partes (COP) 7, em 2015, foram adicionados o Hexaclorobutadieno, o Pentaclorofenol (incluindo seus sais e ésteres) e os Naftalenos Policlorados. Em 2017, durante a COP 8, o Éter Decabromodifenílico e as Parafinas Cloradas de Cadeia Curta foram listados como POPs. Mais recentemente, em 2023, o Declorano Plus também foi incluído no rol de substâncias proibidas.
A inclusão dessas substâncias na Convenção implica que os países signatários devem adotar medidas para eliminar ou restringir sua produção, uso, importação e exportação. Além disso, é necessário gerenciar adequadamente os estoques existentes e os resíduos contendo essas substâncias, garantindo a proteção da saúde pública e do meio ambiente. Em paralelo, os Estados signatários podem aderir às chamadas isenções específicas, ou seja, hipóteses de segmentos econômicos em que o uso da substância estará permitido em solo nacional temporariamente, respeitadas algumas condições. Exemplo disso são as isenções específicas relacionadas ao Declorano Plus, uma das inclusões mais recentes:
1.Isenções específicas para o uso de Dechlorane Plus para peças de reposição e reparo de artigos se aplicarão onde Dechlorane Plus foi originalmente usado na fabricação desses artigos e pode estar disponível, limitado às seguintes aplicações:
(a) Aeroespacial (como produtos de tira de fricção de carcaça de ventilador de motor de aeronave e produtos de preenchimento de vazios e vedação de bordas, reparos de fabricação de motores de aeronaves, itens elétricos, painéis estruturais e interiores de cabines de aeronaves);
(b) Espaço (como satélites, sondas e outros equipamentos de exploração, cabines tripuladas e laboratórios, materiais isolantes térmicos para motores de foguetes e equipamentos de suporte em solo);
(c) Defesa (como navios de guerra, mísseis, plataformas de lançamento, munições, equipamentos de comunicação, sistemas de radar e lidar e equipamentos de suporte);
(d) Veículos motorizados (cobrindo todos os veículos terrestres, como carros, motocicletas, veículos agrícolas e de construção e caminhões industriais; aplicações incluem cabos, chicotes de fios, conectores e fitas de isolamento);
(e) Máquinas industriais estacionárias (como guindastes de torre, plantas de concreto e trituradores hidráulicos; aplicações incluem cabos, chicotes de fios, conectores e fitas de isolamento) para uso na agricultura, silvicultura e construção;
(f) Equipamentos marítimos, de jardim, florestais e de energia ao ar livre;
(g) Instrumentos para análise, medições, controle, monitoramento, testes, produção e inspeção.
2. Isenções específicas para o uso de Dechlorane Plus para peças de reposição e reparo de artigos se aplicarão onde Dechlorane Plus foi originalmente usado na fabricação desses artigos e pode estar disponível, limitado às seguintes aplicações:
(a) Dispositivos médicos (como dispositivos de diagnóstico por ultrassom, sistemas de ressonância magnética, sistemas de imagem por raios X, endoscópios flexíveis e dispositivos e instalações de radioterapia);
(b) Dispositivos de diagnóstico in vitro (como analisadores de imunoensaio, analisadores de hematologia, sistemas de teste de reação em cadeia da polimerase (PCR), analisadores genéticos, analisadores de química clínica, analisadores de coagulação sanguínea e analisadores de urina).
A ampliação da lista de POPs apresenta desafios significativos para a indústria e os reguladores, exigindo a substituição de substâncias proibidas por alternativas mais seguras e o desenvolvimento de novas tecnologias de produção. A conscientização e o engajamento do setor privado são cruciais para o cumprimento efetivo das obrigações estabelecidas pela Convenção.
Não apenas isso. Em função do dever de implementação de medidas de logística reversa, previsto na Lei Federal nº 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos), as empresas nacionais suportarão responsabilidades e custos adicionais relacionados à destinação ambientalmente sustentável dos produtos que contenham as substâncias listadas na Convenção de Estocolmo, consideradas perigosas e/ou nocivas. Comparar as listagens mencionadas na Convenção e compará-las com os componentes envolvidos em sua cadeia produtiva, passa a ser diligência fundamental àquelas pessoas jurídicas que desejam antever possíveis riscos econômicos e/ou reputacionais.
No mesmo sentido, com a edição da Lei Federal nº 15.022/2024, foi estabelecido o Inventário Nacional de Substâncias Químicas, para o qual fabricantes e importadores ficam obrigados a prestar informações sobre os dados de identificação do produtor ou do importador da substância química, a faixa de quantidade de produção ou de importação anual da substância química; a identificação exata da substância química, incluído o número de registro no Chemical Abstracts Service (CAS) ou no International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC);a classificação de perigo conforme o Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos, de acordo com a norma brasileira vigente; e os usos recomendados da substância química. Quando devidamente regulamentado, o Inventário Nacional de Substâncias Químicas será instrumento intimamente atrelado às disposições da Convenção de Estocolmo.
A contínua atualização da lista de POPs na Convenção de Estocolmo destaca a importância da cooperação internacional na gestão de substâncias químicas perigosas. A implementação eficaz das medidas acordadas, com a devida observância das obrigações relacionadas à logística reversa e às substâncias químicas perigosas em geral, é essencial para minimizar os riscos associados às cadeias produtivas nacionais dos mais diferentes setores econômicos.
Luciana Camponez Pereira Moralles, especialista da área Ambiental e Regulatória do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
Bruno Rodrigo Klesse Moreira, advogado especialista em direito ambiental e regulatório do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.