A COP30 já está com os motores aquecidos, principalmente após a carta – publicada há alguns dias – de André Aranha Corrêa do Lago, Presidente designado da Conferência, em que convoca os países a se juntarem ao mutirão comandado pelo Brasil para agir contra mudanças climáticas. Entre tantas passagens interessantes do texto, Lago diz que deposita grande esperança na ‘integração entre transição digital e transformação climática, promovendo um movimento que utilize a tecnologia para acelerar mudanças’. A visão é ambiciosa, como realmente deve ser. A tecnologia é capaz de acelerar as mudanças necessárias para um futuro mais sustentável, no entanto para melhorar a tomada de decisão, é preciso informação. O aproveitamento do potencial digital exige mapeamento e estruturação de informações para alimentar soluções futuras.
A carta reflete que ecossistemas saudáveis podem gerar resiliência e bioeconomia, promovendo meios de subsistência locais, cadeias de valor sofisticadas e inovações. O Presidente está correto em fomentar essa discussão tão importante, mas há uma alta complexidade e é necessário um trabalho abrangente para que a Inteligência Artificial (IA) e outras ferramentas digitais tornem uma cidade resiliente, por exemplo. A verdade é que não temos municípios no Brasil que estejam devidamente preparados para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas com a tecnologia. Nosso crescimento urbano desordenado, que sempre negligenciou as ações climáticas naturais, agora cobra a conta com desastres e impactos diretos na vida local.Um exemplo claro é a cidade de São Paulo, cuja urbanização baseada no asfalto alterou a dinâmica do escoamento e absorção de água, tornando-a mais vulnerável a chuvas intensas.
A tecnologia, nesse contexto, surge como uma ferramenta poderosa, desde que sejam respeitadas as etapas necessárias. O mapeamento regional e a coleta de dados são o primeiro passo – e etapas cruciais. É preciso conhecer a fundo as características de cada localidade e monitorar as mudanças ao longo do tempo, com séries históricas. O problema é que os dados se depreciam ao longo do tempo e, muitas empresas, embora coletem informações, não as segmentam adequadamente. Essa falta de qualidade nos dados representa um obstáculo significativo para o uso efetivo de soluções no combate às mudanças climáticas.
Cada cidade tem um perfil diferente, uma necessidade diferente, e as soluções digitais precisam ser altamente personalizadas, o que altera a forma de tomar uma decisão em São Paulo ou em Oslo, por exemplo. Características geográficas distintas vão impactar na tomada de decisão. A IA, de fato, é uma grande esperança, mas sua eficácia depende da disponibilidade e precisão de registros para não se tornar uma promessa vazia. Para o público leigo, a Inteligência Artificial pode parecer uma solução mágica para todos os problemas, mas a realidade é que, assim como um prompt mal formulado gera um resultado insatisfatório, a falta de dados de qualidade impede que alcancemos o potencial máximo.
A meteorologia é um exemplo claro da limitação que ainda enfrentamos. É possível prever a ocorrência de chuvas, mas a falta de precisão na identificação das áreas mais afetadas dificulta a atuação da Defesa Civil, que em alguns casos emite alertas que não se concretizam. A tecnologia depende da qualidade dos dados e da infraestrutura disponível. Infelizmente, poucas cidades no mundo priorizam a análise de dados como deveriam. A cidade de Nova York havia criado o departamento de Data Analytics da Prefeitura, depois renomeado como Escritório de Tecnologia e Inovação, buscando soluções que integrassem dados de diversos órgãos municipais para entregar soluções baseada em dados para a cidade.Essa abordagem permite que a cidade seja mais responsiva, utilizando os dados para gerar soluções de adaptação e mitigação. No Brasil, a ausência de estruturas semelhantes dificulta o desenvolvimento de soluções de IA e, consequentemente, a tomada de decisões informadas. Nós agimos apenas depois da catástrofe.
Após a carta do presidente da COP30, a esperança de um olhar qualificado para as soluções tecnológicas é muito maior. A IA, sensoriamento das cidades e outras ferramentas digitais são, realmente, nossa melhor arma no combate às mudanças climáticas. O poder público tem suas limitações, mas com a colaboração de institutos de pesquisa e desenvolvimento e iniciativa privada, o caminho se torna promissor. Com o conhecimento adequado, as decisões são mais inteligentes e eficazes. Se houver previsão de chuvas intensas em uma área de risco mais precisa, é possível agir preventivamente mitigando os perigos para a cidade e para a vida das pessoas.
Que a COP30 realmente traga o debate à tona. Temos muito a aprender, mas também muito a oferecer com a capacidade intelectual que há no país. A Conferência é a melhor oportunidade de impulsionar a transição para uma abordagem mais proativa, baseada em dados, que permita às cidades se tornarem mais resilientes. O Brasil já convocou os países nesse mutirão em prol da transição climática integrada com as soluções digitais, todos devem olhar para o mapeamento de dados e já dar o primeiro passo antes mesmo da reunião em Belém.
João Santos, especialista de soluções do SiDi, Instituto de Tecnologia.