terça-feira, abril 29, 2025

Por mais colaboração e menos sensacionalismo na Amazônia

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A Amazônia está no centro das discussões sobre desenvolvimento sustentável, e a transição para um modelo econômico baseado na conservação da floresta exige tempo, paciência e, acima de tudo, colaboração. Para que essa mudança ocorra de maneira efetiva e justa, é essencial que todos os atores envolvidos – empresários, setor público, ONGs e academia – trabalhem juntos e compreendam a complexidade da adaptação necessária.

A realidade na floresta

Eu nasci na Amazônia, em Tucuruí, cerca de 300 km ao sul de Belém. E bem em meio a um conflito entre sustentabilidade e desenvolvimento, com a construção da hidrelétrica de Tucuruí e, consequentemente, a desapropriação e movimentação de indígenas. Cresci vendo de perto como a floresta é essencial para a vida das pessoas que aqui vivem. Por um lado, entendemos a necessidade de preservá-la, mas, por outro, sabemos que milhões de pessoas dependem dos recursos naturais para sua sobrevivência. Muitas vezes, são essas mesmas pessoas que, por falta de alternativas, acabam degradando o meio ambiente.

Quando falamos de Amazônia, falamos de famílias que dependem do extrativismo, de agricultores que plantam para subsistência, e de trabalhadores que, historicamente, viram na exploração da madeira e da terra a única maneira de garantir o sustento. Não podemos simplesmente ignorar essas realidades e impor soluções que desconsiderem o fator humano e econômico. A transição para um modelo sustentável precisa ser justa e inclusiva, trazendo oportunidades concretas para essas populações.

Transformação econômica

Historicamente, a ocupação da Amazônia foi incentivada por políticas públicas que promoviam o desmatamento para impulsionar setores como a agropecuária e a exploração madeireira. Nos anos 1960 e 1970, programas governamentais forneceram incentivos para a abertura de terras, o que resultou em expansão significativa desses setores. Hoje, a agropecuária representa aproximadamente 24% do PIB brasileiro, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), e emprega cerca de 19 milhões de pessoas.

A exploração madeireira, por sua vez, também tem grande relevância econômica e, quando realizada de forma sustentável, contribui para a manutenção da floresta em pé. Técnicas como o manejo florestal sustentável, que incluem práticas de impacto reduzido, têm se mostrado eficazes na conservação da biodiversidade e renovação dos recursos florestais, ao mesmo tempo em que garantem renda ao gerar riquezas e promover a inclusão social. Para evitarmos a degradação ambiental, precisamos oferecer alternativas de receitas para produtores rurais e madeireiros. Precisamos converter aqueles que se dedicam a atividades econômicas predatórias em conservadores da floresta, remunerando-os por esses serviços ambientais.

Lançar suspeitas infundadas sobre esses agentes econômicos por causa de seu eventual passado, sem examinar e valorizar o papel de muitos na conservação, é injusto e contraproducente. Essas pessoas continuarão na Amazônia. Se não puderem viver da conservação, voltarão para atividades predatórias como única alternativa econômica.

Não se trata aqui de deixar de combater o desmatamento, uma vez que é indiscutível a importância das políticas de comando e controle, mas sim, de reconhecer a importância das atividades produtivas sustentáveis, praticadas pelos produtores rurais e empresas madeireiras, na contribuição para a floresta em pé. Sem essa combinação, estaremos sempre administrando o remédio para a febre (a destruição da floresta) ao invés de atuar na causa (a necessidade de renda das famílias).

Alinhado a essa necessidade, o governo possui o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) que, em sua 5.ª fase, é ferramenta para uma transição e transformação ecológica a fim de atingir o desmatamento zero em 2030 e o consequente cumprimento da NDC brasileira. Muito bem desenhado, em seu primeiro eixo estratégico — atividades produtivas sustentáveis —, o plano destaca o manejo florestal como alternativa de valorização da floresta em pé, ou seja, a transformação também é econômica. Para isso, é necessário reconhecer e estimular os promotores não somente dessas atividades, como também considerar outras iniciativas privadas que resultam em geração de renda, a exemplo da bioeconomia e das diversas modalidades de pagamentos por serviços ambientais.

Ouço constantemente especialistas concentrando a solução ambiental na redução dos desmatamentos ilegal e legal, combinada com a restauração florestal. A minha vivência me leva a reconhecer a importância desses esforços, e a acreditar que é necessário irmos além, investindo em tornar exequível alternativas econômicas existentes, com suporte técnico e desburocratização, e outras que precisam ser consolidadas.

O papel de cada ator

As ONGs, os veículos de comunicação e a academia têm influência significativa na agenda ambiental da Amazônia. Para que essa transição seja bem-sucedida, é fundamental que esses atores adotem postura colaborativa, em vez de apenas crítica. O Brasil dispõe de uma das regulamentações ambientais mais rigorosas do mundo, com leis como o Código Florestal e mecanismos de rastreabilidade, como o Documento de Origem Florestal (DOF). O cumprimento dessas leis é essencial para combater a ilegalidade e incentivar práticas responsáveis.

No entanto, a complexidade do sistema regulatório muitas vezes cria barreiras para os produtores, que precisam de suporte técnico e institucional para cumprir as exigências legais. A superposição de múltiplos órgãos e bases de informações fundiárias e ambientais dificulta e desestimula a regularização das atividades, as quais são alternativas para reduzir a pressão sobre as florestas. Infelizmente, vemos frequentemente organizações que preferem “jogar bombas” e deslegitimar iniciativas, em vez de contribuir com soluções práticas. O ativismo ambiental é essencial, mas precisa conhecer e estar alinhado à realidade local para que alternativas viáveis e executáveis sejam oferecidas às populações amazônicas.

Organizações ambientalistas devem atuar como facilitadoras, ajudando no fortalecimento de associações comunitárias, formação de capacidades locais, criação de oportunidades de renda sustentável e diálogo com os setores público e privado. Veículos especializados em sustentabilidade também têm um papel vital ao informar o público com responsabilidade, combatendo a desinformação e promovendo histórias de sucesso que demonstrem a viabilidade econômica da conservação ambiental.

Essa é uma agenda de todos. É importante refletir sobre cada papel e como convergir as ações a um único impacto: florestas protegidas, com desenvolvimento socioeconômico das pessoas que vivem abaixo e no entorno delas.

Francy Nava, engenheira ambiental, especialista em auditorias e monitoramento ambiental com 18 anos de experiência na Amazônia e diretora de Operações de Projetos na Carbonext.

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