Novo relatório, publicado em janeiro pela Fundação Ellen MacArthur, traz recomendações de revisão do GHG Protocol – o principal mecanismo de contabilização das emissões de gases de efeito estufa (GEE) usado por empresas – para que reflitam melhor o verdadeiro impacto das práticas de economia circular. O estudo, nomeado “Melhorando a contabilização das emissões climáticas para acelerar a transição para a economia circular”, aponta que, apesar de a economia circular ser fundamental para resolver aproximadamente metade das emissões globais de GEE, a metodologia atual de contabilização não captura de maneira fiel a redução de emissões quando os produtos são mantidos em circulação. Na prática, empresas que aplicam os princípios da economia circular podem ser prejudicadas, embora contribuam mais.
Criado na década de 1990, o GHG Protocol é um pacote de orientações, ferramentas e padrões globais para que empresas e organizações mensurem e gerenciem as suas emissões de gases de efeito estufa. Ele organiza a fonte das emissões em três escopos, de acordo com onde ocorrem na cadeia de valor. Enquanto os dois primeiros escopos são obrigatórios de serem incluídos nos inventários, o escopo 3, que reúne as emissões que ocorrem ao longo da cadeia de valor, é opcional. Embora mais difíceis de medir, as emissões de escopo 3 podem representar a maior parte da pegada de carbono de uma empresa – e é onde a economia circular pode demonstrar o seu maior impacto.
De acordo com Luisa Santiago, diretora executiva para a América Latina na Fundação Ellen MacArthur, a proposta de revisão de protocolo surgiu a partir das dificuldades encontradas pelas empresas em verem os seus esforços de transição para a economia circular refletidos nos inventários de emissões de carbono: “as empresas sabem que a economia circular é essencial para enfrentar as mudanças climáticas, mas não veem isso na sua contabilização de emissões. Nós entendemos que a metodologia pode ser aprimorada para mostrar mais claramente o impacto das soluções circulares na cadeia de valor. O benefício disso é incentivar as empresas a seguirem na transição para a economia circular, visto que ela continuará a ser fundamental para a redução de emissões e para a nossa prosperidade no longo prazo.”
Oportunidades de revisão do GHG Protocol
No levantamento produzido pela Fundação Ellen MacArthur, foram destacadas cinco oportunidades de revisão da ferramenta. O intuito de cada uma delas é garantir uma representação fiel da redução de emissões de GEE alcançadas através da economia circular e uma melhor alocação das emissões por atividade em todo o protocolo. São elas:
- Reconhecer economia circular em toda a estrutura do protocolo:
É necessário maior clareza sobre como reportar emissões associadas a atividades circulares que vão além da reciclagem, como modelos de aluguel, reparo, remanufatura e compartilhamento de maquinário. Essas práticas mantêm os produtos em uso por mais tempo, evitando as emissões relacionadas à extração de materiais e produção de novos produtos, mas hoje, não têm um local claro de contabilização. Além disso, tornar o escopo 3 obrigatório tornaria a contabilização das emissões da empresa mais fiel à realidade.
- Fluxos de entrada de materiais circulares:
As diretrizes atuais contabilizam as emissões de início de cadeia, referente a maquinários, por exemplo, apenas para a primeira compra, ou para o seu primeiro usuário. Dessa forma, não há benefício em revender o equipamento, comparado a descartá-lo, ou em comprar um equipamento usado em vez de comprar um novo. A proposta é que as emissões de início da cadeia possam ser distribuídas entre usuários, incentivando o reúso, o reparo e a extensão do ciclo de vida desses bens.
- Durabilidade dos produtos:
Hoje, as empresas reportam as emissões incorporadas ao produto e as que serão geradas ao longo de todo o seu ciclo de vida no ano da venda. Isso significa que produtos projetados para durar 2 anos são favorecidos em comparação àqueles que durarão 10 anos. A recomendação aqui é incluir métodos que comparem as emissões de produtos de curta e longa durabilidade de formas mais justas, como contabilizá-las ano a ano.
- Fluxos de saída de materiais circulares:
Atualmente, as diretrizes permitem que a incineração de resíduos para a geração de energia não reporte emissões – mesmo que a empresa não consuma essa energia. Em consequência, é quantitativamente mais vantajoso incinerar resíduos do que aplicar soluções circulares como a reutilização, reciclagem e compostagem, mesmo que essas solucões tenham um impacto significativamente menor. Também falta clareza sobre como contabilizar e alocar emissões de produtos e materiais que antes eram considerados resíduos mas que são reintroduzidos como insumos. Recomenda-se esclarecer a alocação das emissões do fim da vida útil para produtos de múltiplos ciclos de vida e exigir que a incineração de resíduos para geração de energia seja reportada.
- Financiamento da economia circular.
Embora os investidores sejam obrigados a reportar as emissões das empresas nas quais investem, isso contempla apenas os dados obrigatórios, isto é, de escopo 1 e 2. Isso pode fazer com que atividades circulares fiquem ocultas nas decisões de investimento. Além disso, pode gerar distorções nos relatórios de emissões, uma vez que a implementação de algumas atividades circulares, como modelos de aluguel, pode realocar as emissões do escopo 3 para o escopo 1 nos inventários, criando uma falsa percepção de aumento das emissões aos olhos dos investidores. Recomenda-se tornar obrigatório o reporte das emissões de escopo 3 também para o setor financeiro, para oferecer melhor visibilidade e capacidade de decisão sobre o seu impacto climático.
Potencial de contribuição da economia circular
A proposta de revisão da contabilização das emissões busca colocar em evidência uma mudança fundamental sobre como pensamos as mudanças climáticas: é necessário dar mais ênfase às emissões decorrentes de como fazemos e usamos os produtos, materiais e alimentos. Em 2019, a Fundação Ellen MacArthur demonstrou que a eficiência energética e as energias renováveis contemplariam apenas 55% das emissões globais. Para resolver os 45% restantes, relacionados aos materiais e alimentos, precisamos de uma economia circular.
O potencial de redução de emissões por meio desse modelo é significativo. No setor automotivo, por exemplo, o design de carros com menos materiais e estruturas mais leves poderia reduzir as emissões em 89 milhões de toneladas de CO2e por ano. Já a adoção de embalagens reutilizáveis e retornáveis nos setores de cuidados pessoais, bebidas e alimentos poderia representar uma redução de emissões entre 35% e 70% em comparação com as embalagens descartáveis atuais. No setor agrícola, a aplicação de práticas regenerativas, como o uso de cultivos de cobertura e fertilizantes orgânicos, pode reduzir significativamente as emissões associadas ao cultivo de alimentos e biomateriais, ao mesmo tempo em que aumenta a capacidade de sequestro de carbono do solo, proporcionando um benefício estimado de 2,5 bilhões de toneladas de CO2e por ano até 2050.
Impactos da revisão para as empresas
A atualização do GHG Protocol, com base nessas recomendações, traria maior e melhor visibilidade sobre o verdadeiro impacto das atividades das empresas em termos de emissões de gases de efeito estufa. Além disso, poderia incentivar empresas a adotarem modelos de negócios mais alinhados aos princípios da economia circular. Investidores também seriam mais encorajados a financiar negócios que mantêm os produtos em circulação e ajudam a regenerar a natureza.
“É importante para as empresas saberem que essas recomendações estão sendo enviadas ao GHG Protocol. A economia circular é um modelo que traz benefícios econômicos e ambientais para as empresas e a sociedade. Essa revisão demonstra que as empresas podem continuar a investir em economia circular pois isso trará um resultado positivo para elas e esse resultado será demonstrado” conclui Santiago.