A inteligência artificial (IA) tem transformando o mundo em uma velocidade vertiginosa. Praticamente todos os setores da sociedade foram impactados de alguma forma, e a sustentabilidade e o monitoramento ambiental estão inclusos nessa mudança. A capacidade dessa tecnologia de analisar grandes volumes de dados em tempo real tem revolucionado a forma como entendemos e protegemos o meio ambiente, mas essa revolução também traz consigo uma série de desafios e implicações jurídicas que precisam ser cuidadosamente consideradas.
Inicialmente, o cenário não é perfeito. As IAs são prejudiciais à natureza em certa medida devido à produção de lixo eletrônico e à exorbitante quantidade de recursos necessária para manter os data centers que abrigam os servidores. O Google, por exemplo, relatou um aumento de quase 50% em suas emissões de carbono em relação a 2019, de acordo com o relatório ambiental de 2024 da empresa. No entanto, a impressionante capacidade de armazenamento, processamento e automatização das inteligências artificiais pode ser convertida em benefícios significativos para o meio ambiente e a defesa da sustentabilidade.
Para o monitoramento ambiental, a IA tem se provado uma ferramenta poderosa graças à sua capacidade de proporcionar análises mais rápidas e precisas sobre desmatamento, poluição, mudanças climáticas e gestão de recursos naturais. Com tais ferramentas, é possível detectar crimes ambientais, prever desastres naturais e otimizar políticas públicas, aumentando a eficácia da fiscalização ambiental. Tudo isso é possível graças aos algoritmos, uma vez que eles conseguem analisar grandes volumes de imagens de satélite e dados ambientais para identificar ações ilegais e padrões suspeitos nas áreas monitoradas.
Além desses usos primários, as IAs são capazes de auxiliar na modelagem climática e previsão de desastres ao aprimorar previsões metereológicas, contribuindo para a tomada de decisões estratégicas em relação a enchentes, secas e outros desastres. Por outro lado, mais do que prevenir e monitorar, a inteligência artificial também pode ajudar na gestão inteligente de recursos naturais ao otimizar o controle e o uso de água e energia, ajudando na preservação e na eficiência ambiental de empresas e governos.
Diante desses e tantos outros usos possíveis, é evidente que a inteligência artificial pode ser uma aliada inestimável para o meio ambiente e a sustentabilidade, especialmente em um cenário onde os princípios ESG estão tomando conta do mercado. De acordo com o relatório “Como a IA pode possibilitar um futuro sustentável”, encomendado pela Microsoft, até 2030, a inteligência artificial pode contribuir com US$ 5,2 trilhões para a economia mundial e reduzir as emissões de gases de efeito estufa em até 4%. Os benefícios estão postos, mas além do impacto ambiental negativo associado à poluição digital e ao uso de recursos, outro ponto deve chamar a atenção nessa discussão: o aspecto jurídico do uso de IAs.
Em meio às polêmicas mais recentes envolvendo as IAs DeepSeek, ChatGPT e vazamentos de dados, ponderar as implicações legais da inteligência artificial no monitoramento ambiental é imprescindível. Um dos principais desafios nesse quesito, por exemplo, é a questão da privacidade e proteção de dados. O uso de drones e câmeras de monitoramento pode gerar conflitos com direitos individuais, e é importante garantir que a coleta de dados seja feita de forma ética e legal.
Da mesma forma, a admissibilidade das provas obtidas por IA em ações civis e criminais ambientais é um ponto relevante. Dados obtidos por IA podem ser questionados judicialmente, e é importante garantir que as provas sejam coletadas e apresentadas de forma adequada para serem aceitas em tribunal. Ademais, em caso de erros, quem deve ser responsabilizado? O órgão fiscalizador, o desenvolvedor da tecnologia ou o operador do sistema? A responsabilidade jurídica dessas ferramentas deve ser estabelecida de forma precisa para garantir responsabilidade e justiça em caso de erros.
Por fim, e talvez no centro desses problemas, a falta de regulamentação específica sobre o uso da IA no monitoramento ambiental é uma questão significativa no Brasil. Ainda não possuímos normas detalhadas sobre a aplicação dessa tecnologia no direito ambiental, o que pode gerar lacunas e incertezas na sua utilização. Essa preocupação já começou a ser tratada por meio do Projeto de Lei 2.338/2023, responsável por regulamentar o uso de IA no Brasil e aprovado no final do ano passado, mas ainda há muito que ser feito para que as inteligências artificiais possam ser usadas adequadamente no monitoramento ambiental.
Podemos constatar, enfim, que a IA, tida em um primeiro momento como uma ameaça à sustentabilidade, pode fortalecer a proteção ambiental e tornar as políticas públicas mais eficazes. No entanto, sua aplicação precisa ser acompanhada de um arcabouço jurídico sólido que garanta segurança, transparência e proteção de direitos fundamentais. Para isso, o governo, as autoridades ambientais e os desenvolvedores de tecnologia devem trabalhar juntos para garantir que tais ferramentas sejam utilizadas de forma ética e legal no monitoramento ambiental. Com o avanço contínuo, o futuro ideal da tecnologia à favor do meio ambiente poderá ser alcançado mais rápido do que imaginamos.
Flávio Linquevis, advogado e mestre em Legislação Ambiental.