O impacto da Inteligência Artificial (IA) no mercado de trabalho feminino é um tema urgente, especialmente na América Latina. De acordo com o relatório “Os efeitos da IA na vida profissional das mulheres” publicado recentemente pela UNESCO, em parceria com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a representação feminina em áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) é limitada, o que dificulta a inserção de mulheres nos campos mais avançados da IA e das tecnologias digitais.
Na América Latina, por exemplo, a participação feminina em STEM é uma questão marcada por disparidades educacionais, culturais e estruturais. Segundo o relatório, mulheres representam menos de 30% dos cargos de pesquisa e desenvolvimento científico. O Brasil, embora líder em algumas iniciativas, também reflete essa desigualdade. Apenas 27% das publicações sobre IA no país têm co-autoria feminina.
Infelizmente, existe uma diferença nos níveis de preparo e qualificação voltados para o público feminino, seja por falta de investimento ou até mesmo de incentivo. Conforme comentado no relatório, mulheres têm menor acesso a habilidades digitais e tendem a ocupar cargos menos técnicos em comparação aos homens. Enquanto 83% dos homens na América Latina têm acesso à internet, o percentual entre mulheres é de 80%. Embora a diferença pareça pequena, ela reflete barreiras como desproporção de renda e falta de infraestrutura.
Apesar das limitações do cenário, existem ações que já estão sendo implantadas em diferentes localidades da região para atenuar esses índices que, por hora, ainda demonstram um potencial feminino pouco aproveitado. Sabemos do poder transformador que a IA oferece ao mercado de trabalho, com resultados rápidos e aplicações flexíveis, cujos impactos são especialmente significativos para as mulheres. A automação impulsionada pela IA cria novas oportunidades em áreas como ciência de dados, machine learning e engenharia de software. Além disso, a IA pode otimizar tarefas rotineiras, permitindo que mulheres se concentrem em atividades mais estratégicas e criativas.
Um dos exemplos inspiradores de como a IA pode beneficiar as mulheres é a iniciativa “fAIr LAC”, liderada pelo BID, que mostra como o uso responsável da IA pode melhorar a prestação de serviços sociais e criar oportunidades de desenvolvimento. Programas que promovem a requalificação digital são fundamentais para garantir que as mulheres possam se adaptar às demandas de um mercado de trabalho em transformação e acompanhar a adoção de novas ferramentas em suas atividades.
Outro destaque são as iniciativas como o “Mulheres na Tecnologia”, no Brasil, que promovem a inclusão de mulheres em projetos inovadores e têm gerado impactos positivos no ecossistema de startups, bem como o “MCIO Brasil”, uma associação sem fins lucrativos formada por mais de 370 executivas do segmento de TI, empenhadas no propósito de aumentar a representatividade feminina no mercado de tecnologia. Movimentos globais como o “Girls in Tech” também estão ajudando a redefinir o papel das mulheres no setor, conectando-as a redes internacionais.
Ações para ampliar a representatividade feminina
Para reduzir as desigualdades e aumentar a presença feminina no setor de tecnologia em geral, é essencial implementar medidas estruturais e culturais. Acredito que o primeiro passo seja investir em programas de ensino de STEM desde a educação básica nas escolas, com foco na formação de meninas. É essencial criar currículos que desafiem estereótipos de gênero e incentivem a curiosidade científica, abrindo portas para que mais jovens ingressem na área.
O desenvolvimento de políticas públicas que incentivem a contratação de mulheres em cargos de liderança no setor também é crucial. Enquanto presidente de uma Autoridade Certificadora líder em cibersegurança no mundo, entendo que proporcionar um ambiente regulatório favorável para que empresas e órgãos governamentais invistam na capacitação feminina pode acelerar essa transformação.
A expansão de programas de requalificação e treinamento para mulheres, especialmente em áreas de alta demanda como machine learning e segurança cibernética, é outra medida que pode gerar bons frutos. Com a capacitação adequada, as mulheres podem não apenas acompanhar as transformações tecnológicas, mas também liderá-las.
Por fim, mas não menos importante, celebrar e divulgar histórias de mulheres bem-sucedidas em tecnologia é uma estratégia poderosa para inspirar novas gerações e modificar percepções sobre o papel feminino no setor. O fato é que, para avançar rumo a uma maior igualdade, são necessários esforços conjuntos de governos, setor privado e sociedade civil. Investir na educação inclusiva, ampliar o acesso à tecnologia e valorizar as contribuições femininas são passos fundamentais para construir um futuro mais equitativo e inovador.
Luiza Dias, presidente da GlobalSign Brasil.