O mercado de carbono no Brasil vive um momento crucial. Após anos de debates e construção de um arcabouço regulatório, avançamos para a implementação de um sistema que pode transformar o papel do país na agenda climática global. Com a regulamentação do mercado de carbono, teremos uma oportunidade única de alavancar soluções baseadas na natureza, atrair investimentos e consolidar o Brasil como protagonista na transição para uma economia de baixo carbono. Mas essa trajetória não está isenta de desafios.
O caminho para um mercado robusto e eficiente passa por clareza regulatória, fortalecimento da governança e valorização dos ativos ambientais brasileiros. Enquanto países como Singapura, Suécia e Suíça já estabeleceram acordos bilaterais para compensação de emissões, o Brasil ainda precisa definir diretrizes sobre pontos críticos, como o ajuste correspondente e a interoperabilidade entre mercados voluntário e regulado. Essa indefinição pode limitar o potencial de exportação de créditos brasileiros e, consequentemente, os fluxos de investimento para a preservação de nossas florestas.
Diante desse cenário, é fundamental equilibrarmos realismo e otimismo. O mercado regulado é uma necessidade, mas sua efetividade dependerá da capacidade do Brasil de estruturar um modelo eficiente e confiável.
A força das soluções baseadas na natureza
O Brasil tem um diferencial competitivo – se é que podemos chamá-lo assim – que é inquestionável: mais de 50% das nossas emissões vêm do desmatamento. Enquanto países desenvolvidos enfrentam desafios complexos para descarbonizar setores industriais e de transporte, nossa principal frente de mitigação está na conservação florestal – uma solução não apenas mais barata, mas essencial para a estabilidade climática global.
Se conseguirmos zerar o desmatamento, o Brasil não apenas atingirá suas metas climáticas, mas poderá gerar um volume significativo de créditos excedentes para negociação internacional. Isso posicionaria o país como um dos principais fornecedores globais de créditos de carbono, trazendo benefícios socioeconômicos para comunidades locais e recursos para a preservação ambiental.
Mas há um ponto importante: não podemos perder tempo. O mercado global está se movimentando rapidamente, e o Brasil precisa se posicionar com clareza para capturar essa oportunidade.
Regulamentação: pontos críticos a resolver
A Lei 15.042/2024, que estabelece o mercado regulado de carbono no Brasil, representa um avanço significativo para a agenda climática do país. No entanto, ainda há lacunas importantes que precisam ser resolvidas para garantir previsibilidade e atratividade ao mercado. Um dos principais desafios é a definição do ajuste correspondente, mecanismo essencial para a comercialização internacional de créditos de carbono. O Brasil ainda não estabeleceu regras claras sobre como lidará com créditos voluntários que possam ser utilizados para compromissos internacionais, o que impacta diretamente mercados como o Corsia (aviação), que exigirá ajuste correspondente a partir de 2027.
Outro ponto crítico é a definição do percentual de compensação permitida dentro do mercado regulado. Ainda não há clareza sobre qual será o limite de uso de créditos voluntários para cumprimento das metas das empresas, o que gera incertezas para compradores e desenvolvedores de projetos. Além disso, a governança e fiscalização desse mercado precisarão ser fortalecidas para garantir transparência e rastreabilidade, evitando a fragmentação do setor e a desconfiança que já surgiram em outros mercados internacionais.
Embora esses desafios sejam complexos, eles não devem ser encarados como barreiras intransponíveis. Pelo contrário, a regulamentação do mercado pode ser uma oportunidade para estruturar um modelo eficiente, capaz de atrair investimentos e consolidar o Brasil como referência global em soluções climáticas.
Falsa dicotomia: conservação/restauração
Recentemente, tem crescido um debate sobre a priorização de projetos de restauração florestal (ARR) em detrimento dos de conservação (REDD+). Esse movimento parte de uma crítica equivocada aos projetos de conservação, muitas vezes impulsionada por desinformação e narrativas simplistas.
A verdade é que os dois tipos de projetos são fundamentais e complementares. Não adianta investir exclusivamente na restauração florestal se continuarmos perdendo áreas intactas em ritmo acelerado. Como eu costumo dizer: primeiro, precisamos parar de derrubar a floresta. Depois, podemos pensar em replantá-la. Isso, em termos de prioridade ambiental. Na realidade comercial das empresas, é preciso avançar em todas as frentes simultaneamente.
A restauração tem um custo elevado e um prazo longo para maturação. Se a conservação não for valorizada, o custo da compensação de emissões pode aumentar drasticamente, inviabilizando estratégias empresariais e afastando investimentos do mercado de carbono. Precisamos parar com essa narrativa de que conservação e restauração competem entre si. O que precisamos é de um mercado sólido que valorize ambas as abordagens.
O futuro do preço dos créditos
O mercado voluntário de carbono sofreu oscilações nos últimos anos, mas a tendência de longo prazo é clara: o preço dos créditos de alta qualidade deve subir. Projeções da Bloomberg indicam que, até 2050, o valor do crédito de carbono pode chegar a US$ 100-200 por tonelada, especialmente nos mercados regulados mais exigentes.
Esse movimento ocorre porque, à medida que governos estabelecem metas mais rígidas de descarbonização, a demanda por créditos confiáveis aumenta. Empresas não poderão mais postergar a compensação de emissões e precisarão integrar essa estratégia em seus modelos de negócios.
No Brasil, esse efeito será amplificado pela implementação do mercado regulado. Se bem estruturado, ele pode trazer liquidez e previsibilidade, fatores essenciais para atrair mais investimentos e fortalecer o setor.
O momento de agir é agora
O Brasil está diante de uma das maiores oportunidades da sua história climática e econômica. Temos a possibilidade de estruturar um mercado regulado efetivo, que valorize a conservação das florestas, atraia investimentos e fortaleça nosso papel na luta contra as mudanças climáticas.
Mas isso exigirá ação rápida, clareza regulatória e uma narrativa robusta para o mercado internacional. Se conseguirmos resolver os desafios pendentes, podemos nos consolidar como líderes globais na oferta de créditos de carbono e na transição para uma economia de baixo carbono.
O mercado regulado brasileiro está só começando – e agora é a hora de moldá-lo para que ele seja uma ferramenta poderosa de preservação, desenvolvimento e inovação.
Felipe Viana, diretor comercial da Carbonext.