O mercado voluntário de carbono é promissor, mas o Brasil enfrenta obstáculos com metodologias de certificação que ainda não se adaptam às especificidades locais, especialmente no que se refere à metodologia de desmatamento legal.
Nem todo desmatamento – ou risco de desmatamento – é igual. O desmatamento legal ocorre quando um proprietário de terras obtém autorização para converter uma área de vegetação nativa para outros usos, como agricultura ou pecuária, seguindo os critérios definidos no Código Florestal (Lei 12.651/2012). Já o desmatamento ilegal acontece sem qualquer autorização e envolve práticas não regulamentadas, como a exploração clandestina de madeira, mineração e expansão agropecuária sem as devidas licenças emitidas pelos órgãos ambientais.
O mecanismo REDD+ possui dois tipos de metodologias que endereçam esses desmatamentos: o mais conhecido e disseminado é o Desmatamento Não Planejado Evitado (AUD). Já a metodologia de Desmatamento Planejado Evitado (APD) visa prevenir a conversão de vegetação nativa que pode ser desmatada de forma legal.
A abordagem APD é aplicável estritamente em propriedades privadas, sendo um incentivo para proprietários conservarem seu excedente de Reserva Legal, por meio da venda de créditos de carbono como alternativa ao desmatamento autorizado. Por isso, projetos de APD representam uma oportunidade de geração de renda para os proprietários de terra.
Por outro lado, a abordagem APD enfrenta uma série de desafios técnicos e políticos, como a falta de envolvimento dos governos estaduais e a complexidade envolvida na comprovação de adicionalidade junto à certificadora, que tem exigido a apresentação de autorização de supressão de vegetação (ASV) como demonstração da intenção para desmatar.
A simples existência de vegetação nativa legalmente passível de supressão não demonstra adicionalidade, porém, a autorização de supressão também não é definidora para demonstração de intenção. Existem outras formas de comprovação da viabilidade e intenção de desmatamento.
É constatado no Brasil uma alta incidência de desmatamento planejado realizado de forma ilegal, sem autorização. Um estudo do MapBiomas mostra que a maioria do desmatamento no Brasil ocorre sem a devida autorização. Em 2023, 67,4% do desmatamento no país ocorreu em áreas privadas, mas apenas 26,8% contaram com autorização de supressão de vegetação (ASV). Esse contraste é especialmente evidente na Amazônia, onde apenas 0,4% dos eventos de desmatamento possuem ASVs.
Portanto, além de não refletir a prática comum e limitar a efetividade da abordagem APD, a exigência da autorização de supressão não garante por si só a adicionalidade de um projeto. Entende-se que o caminho adequado seja pela demonstração de viabilidade econômica do processo de conversão da floresta, corroborado por um plano de exploração florestal e projeto de conversão do uso do solo que seja factível.
Além disso, é essencial que exista uma definição mais objetiva do Padrão de Certificação com orientações aos auditores em relação à aplicação do APD, incluindo a demonstração de viabilidade da supressão de vegetação, sem a necessidade de solicitação ou obtenção da licença. Caso contrário há um risco de estrangulamento no desenvolvimento de projetos e consequentemente no mercado, deixando ao mesmo tempo muitas terras sem acesso a incentivos para conservação.
Projetos APD representam oportunidades reais de geração de renda para proprietários de terra, proveniente da conservação florestal, em contraposição à abertura de novas áreas para outros fins econômicos. Para isso, é fundamental que os padrões de certificação considerem ajustes que reflitam a realidade do local. Esse movimento abriria portas para investimentos, ampliaria as oportunidades no setor e traria benefícios ambientais e econômicos concretos para a sociedade brasileira.
O mercado de REDD+ está caminhando para uma maior regulamentação e transparência, especialmente por meio da adoção de Sistemas Jurisdicionais, que contam com o envolvimento dos governos estaduais. Do ponto de vista dos governos, existe a preocupação que as atividades APD conflitem com a contabilidade jurisdicional, no entanto, esse conflito não deveria existir. Conforme orientado pelo Padrão VCS, por exemplo, é recomendado diferenciar atividades planejadas e não planejadas, uma vez que as suas taxas históricas podem ser diferentes. Ou seja, a contabilização das linhas de base AUD e APD, sejam jurisdicionais ou não, devem ser separadas, evitando assim qualquer risco de dupla contagem. A aplicação da abordagem APD depende essencialmente do envolvimento das instituições de governo. Neste processo, um bom diálogo e articulação dos desenvolvedores, auditores e poder público é essencial.
A evolução e aperfeiçoamento do REDD+ tende a torná-lo mais robusto e íntegro. O que poucos notam é que, apesar das críticas, o mecanismo do REDD+ é bastante maduro na perspectiva do mercado voluntário e está à frente de outras práticas de Soluções Baseadas na Natureza. Restaurar é importante, sem dúvida, mas financiar a conservação no curto prazo é fundamental, pois, entre outras razões, o custo é menor e, em muitos casos, a biodiversidade perdida dificilmente é recuperada completamente. A consolidação do REDD+ portanto é o fruto maduro do mercado voluntário ao alcance de todos, que certamente abrirá as portas para o crescimento das outras práticas.
Caio Gallego, líder do Grupo de Trabalho de Metodologias da Aliança Brasil NBS.