A COP16 da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), realizada em Riad, Arábia Saudita, terminou sem consenso sobre um mecanismo multilateral de enfrentamento à seca. O tema será retomado na COP17, prevista para 2026, na Mongólia. O desfecho após duas semanas intensas de negociação reflete a divisão crescente entre países ricos e em desenvolvimento sobre o financiamento em negociações ambientais e intensifica os desafios para a COP30 do Clima, que ocorrerá em Belém, Brasil, no próximo ano.
As negociações na Arábia Saudita enfrentaram impasses relacionados ao financiamento – mesmo cenário da COP29 do Clima, em Baku, no Azerbaijão, e na COP16 da Biodiversidade, em Cali, na Colômbia. Em Riad, os países africanos defenderam um Protocolo de Resiliência à Seca, legalmente vinculante, para garantir planos robustos de preparação e resposta. Povos indígenas e organizações da sociedade civil apoiaram a ideia, destacando que ela facilitaria o monitoramento, sistemas de alerta precoce e planos de resposta.
A proposta foi bloqueada por países ricos, principalmente EUA, União Europeia e Japão, que temiam compromissos financeiros. Sugeriram como alternativa um Marco Global não vinculante – a ideia foi rejeitada pelos africanos, que preferiram nenhum acordo a uma solução considerada fraca e permanente. Um fundo específico para combate à desertificação sequer pôde ser debatido.
Em um dos momentos de maior tensão, segundo reportagem do Valor, os EUA chegaram a condicionar o aumento de 8% no orçamento do secretariado da Convenção contra a Desertificação, a UNCCD, ao encerramento das discussões sobre protocolo ou marco. O episódio evidenciou a fragilidade financeira da UNCCD, cujo orçamento está congelado há 10 anos.
40% da superfície da Terra
O subfinanciamento da Convenção contra a Desertificação é um lembrete sobre a falta de financiamento do combate à desertificação em si. A UNCCD estima a necessidade de US$ 2,6 trilhões até 2030 para restaurar mais de 1 bilhão de hectares de terras degradadas, o que equivale a US$ 1 bilhão por dia. Contudo, a principal promessa financeira totaliza apenas US$ 12,15 bilhões da recém-criada Riyadh Global Drought Resilience Partnership. A maior parte desse montante – US$ 10 bilhões – será mobilizada pelo Grupo de Coordenação Árabe para apoiar 80 países vulneráveis. Outros apoios são a Grande Muralha Verde, com € 11 milhões da Itália e € 3,6 milhões da Áustria; e US$ 70 milhões dos EUA e parceiros para a iniciativa VACS (Vision for Adapted Crops and Soils).
A ONU estimou que as secas, exacerbadas pela degradação ambiental, custam mais de US$ 300 bilhões por ano e podem afetar 75% da população mundial até 2050. Um estudo apontou que 78% das terras do planeta se tornaram permanentemente mais secas entre 1961-1990 e 1991-2020. Atualmente, terras secas representam 40% da superfície terrestre global, ameaçando suprimentos alimentares e reservas de carbono.
Representação indígena
Apesar da ausência de um acordo, houve avanços pontuais. Um dos destaques foi a criação de Caucus para Povos Indígenas e Comunidades Locais, proposta liderada pelo Brasil. Essa representação formal permitirá maior influência desses grupos nas negociações para frear a desertificação.
“As convenções irmãs da UNCCD já avançaram nesse reconhecimento. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima conta com um caucus formado por povos indígenas e comunidades tradicionais, enquanto a Convenção sobre Diversidade Biológica aprovou, em sua última COP, realizada em Cali, na Colômbia, em 2024, a criação de um órgão subsidiário dedicado a tratar dos direitos desses grupos”, explica Edel Moraes, chefe de Delegação do Brasil na UNCCD e secretária Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA.
Outros acertos da Cop16 de Riad incluíram o início da criação de um regime global de seca, previsto para conclusão na COP17, e a decisão de incentivar o manejo sustentável, a restauração e a conservação de terras de pastagem. Essas terras, que cobrem metade da superfície terrestre, sustentam dois bilhões de pessoas, mas enfrentam degradação acelerada, ameaçando um sexto do suprimento alimentar global e um terço das reservas de carbono.
Proteção de Terras agrícolas
Muito criticada pela imprensa internacional por suas posições nas negociações de clima, principalmente no que se refere aos combustíveis fósseis, a Árabia Saudita, anfitriã da conferência, conseguiu destacar a importância da preservação de terras agrícolas na Cop16.
O país apresentou o Observatório Internacional de Resiliência à Seca (IDRO), a primeira plataforma global movida por inteligência artificial para monitorar e melhorar a capacidade de resposta a secas severas. E também lançou uma iniciativa de monitoramento de tempestades de areia e poeira, integrada a sistemas de alerta da Organização Meteorológica Mundial. Além disso, a Iniciativa Verde Saudita anunciou cinco novos projetos avaliados em US$ 60 milhões para a agenda de proteção de terras agrícolas. Essa agenda é considerada por alguns analistas como menos polarizante do que outras nas negociações ambientais.
Implementação
Mesmo diante de resultados aquém das expectativas, a atenção às negociações ambientais multilaterais segue crescendo em todas as frentes, um reflexo do crescente impacto das crises de clima e da natureza. A COP16 de Riad, descrita como a maior da história da UNCCD, reuniu mais de 20.000 participantes, incluindo 3.500 da sociedade civil, e promoveu mais de 600 eventos com participação da sociedade civil. Seus resultados limitados, que se somam a outros fracassos de 2024, reforçam a urgência de um progresso significativo em 2025. Com isso a COP30 do Clima, em Belém, inicia seu processo sob a pressão de ser um ponto de virada na implementação dos acordos já obtidos.
“Da insegurança alimentar e hídrica ao conflito e migração, é indiscutível que a degradação da terra, a seca e a desertificação estão impulsionando crises globais que afetam quase todas as pessoas em nosso planeta. A COP16 em Riad foi um ponto de virada na conscientização internacional sobre a necessidade urgente de acelerar a restauração da terra e a resiliência à seca”, avalia Osama Faqeeha, Vice-Ministro do Meio Ambiente, Ministério do Meio Ambiente, Água e Agricultura e Conselheiro da Presidência da UNCCD COP16. “Ao longo da COP16 em Riad, fui encorajado pelas discussões francas e ousadas que estão ocorrendo, espero que a comunidade internacional agora transforme isso em ação.”