A edição de 2024 da SIAL Paris marcou os 60 anos da maior feira mundial de alimentos e bebidas, reunindo milhares de expositores e visitantes de todo o mundo para explorar inovações e debater o futuro do setor. Em meio a um cenário de urgência climática e aumento das exigências ambientais, a sustentabilidade brilhou como o verdadeiro tema norteador do evento. Observando essas tendências, é evidente que estamos em um momento decisivo para refletir sobre o papel do Brasil neste movimento global, em especial na área de embalagens sustentáveis.
A sustentabilidade nas embalagens está deixando de ser uma vantagem para se tornar uma exigência dos consumidores e dos mercados internacionais, especialmente o europeu, onde legislações rigorosas e a preferência por produtos ambientalmente responsáveis são cada vez mais evidentes. Infelizmente, apesar do potencial dos produtos brasileiros, nossa participação na SIAL 2024 mostrou que ainda estamos distantes do que o mundo espera e necessita.
A embalagem, muitas vezes vista apenas como um envoltório, é, na realidade, a principal interface entre o consumidor e a marca. Além de proteger e conservar o produto, ela carrega e comunica os valores da empresa, a essência do produto e as informações que hoje são indispensáveis ao consumidor – desde os aspectos nutricionais até as instruções para o descarte correto. Em um contexto de crise ambiental, esses fatores tornam a embalagem sustentável não apenas um diferencial, mas uma responsabilidade.
É preciso que o setor entenda que a sustentabilidade vai muito além da escolha de um material a outro, ou que seja reciclável ou de material reciclado. A análise precisa englobar todo o ciclo de vida da embalagem: das emissões geradas no processo de fabricação, passando pela logística e pela fonte das matérias-primas, até o design que possibilite o uso de materiais reciclados e a redução do impacto ambiental.
Durante a SIAL, presenciei inovações inspiradoras em sustentabilidade. A empresa grega AIΩNES, por exemplo, foi premiada por uma embalagem de azeite feita de papel – uma alternativa ousada e eficaz em um segmento tradicionalmente dominado pelo vidro e pelo plástico. A coreana OUR HOME ganhou destaque ao desenvolver um processo que permite o uso integral da acelga no kimchi, eliminando o desperdício de matéria-prima. Esses exemplos evidenciam que a sustentabilidade nas embalagens é uma via estratégica para inovação, valorização do produto e conexão com um consumidor cada vez mais atento e exigente.
Entretanto, a participação brasileira na SIAL expôs uma desconexão significativa em relação às tendências globais. Produtos com embalagens sustentáveis ou inovadoras foram escassos no pavilhão do Brasil, perdendo uma oportunidade valiosa de promover nossa biodiversidade e nossa capacidade de inovação. As empresas brasileiras presentes pareciam focadas em vender o produto, sem entender ou explorar as demandas e expectativas de sustentabilidade no mercado europeu. Nenhuma empresa brasileira, por exemplo, participou das discussões do SIAL Summit, que abordaram questões estratégicas sobre embalagens eco-friendly e a responsabilidade ambiental.
Para que nossos produtos possam competir globalmente, é preciso que o setor brasileiro compreenda e incorpore práticas sustentáveis. Nossa legislação, incentivos fiscais e programas de capacitação para pequenas e médias empresas precisam incentivar e disseminar conhecimentos sobre as novas exigências do mercado internacional, especialmente sobre as legislações europeias voltadas a produtos livres de desmatamento e à redução da pegada de carbono.
O mercado de alimentos e bebidas está em rápida transformação, impulsionado por uma consciência ambiental crescente. Os consumidores e as regulamentações internacionais pressionam por embalagens que sejam ambientalmente responsáveis, de fontes sustentáveis e que facilitem a reciclagem. Para as empresas brasileiras, que desejam expandir suas exportações, este é um ponto crucial: é preciso atender a essas exigências e estar alinhado com os valores e preocupações dos consumidores.
O Brasil é referência em práticas sustentáveis em algumas áreas, como vemos nas iniciativas da BRF e da Marfrig, mas ainda há um longo caminho a percorrer para incorporar esses valores ao nosso setor de embalagens de maneira ampla. A falta de conhecimento e de incentivos limita a adoção de práticas mais avançadas, e o papel dos governos, associações e institutos é fundamental para mudar esse cenário. As práticas de empresas como Natura são um exemplo a ser seguido, pois mostram que o investimento em sustentabilidade pode fortalecer a imagem da marca e conquistar mercados exigentes.
Na SIAL, inovações em embalagens recicláveis e designs ecológicos, como a garrafa de PET reciclado para azeite da TERRA DELYSSA (Tunísia) e o cartonado Pure Pak® adaptado da Yoplait, que reduz o volume de resíduos sólidos, são sinais de que a transição para modelos mais sustentáveis já está em curso. São soluções que poderiam ser implementadas no Brasil, mas para isso, precisamos preparar nossas empresas, especialmente as pequenas e médias, com recursos e informações adequadas para que possam competir nesse novo cenário global.
Como diretora do Instituto de Embalagens, acredito firmemente que melhores práticas em embalagens além de ajudar a preservar o meio ambiente e também contribuem para a geração de empregos qualificados e para o fortalecimento da imagem do Brasil como um exportador sustentável e inovador. Precisamos de uma estratégia nacional para promover as práticas sustentáveis, incluindo a criação de políticas públicas que incentivem e capacitem nossas indústrias a adotar essas inovações.
A SIAL Paris 2024 nos lembrou do imenso potencial que o Brasil tem em oferecer ao mundo produtos de alta qualidade com responsabilidade ambiental. Mas essa transformação exige uma mudança de mentalidade e uma ação coordenada. Nosso país, com sua vasta biodiversidade e capacidade produtiva, tem condições de ser um protagonista global na sustentabilidade – se conseguirmos desenvolver e valorizar embalagens que respeitem o planeta.
O caminho é desafiador, assim reforço nossa crença que “Embalagem Melhor, Mundo Melhor” é mais do que um slogan. É a nossa chance de transformar a indústria brasileira e de garantir que nossos produtos estejam à altura do que o mundo e as futuras gerações esperam de nós.
Assunta Camilo, Diretora do Instituto de Embalagens.