Mesmo representando cerca de 56% da população brasileira, quando o assunto é liderança no mercado de trabalho, as pessoas negras ocupam apenas 4% dos cargos de CEO no Brasil, segundo o levantamento do Instituto Ethos publicado em 2024 no “Perfil Social, Racial e de Gênero das 1.100 Maiores Empresas do Brasil”. Este número reflete a disparidade racial nas lideranças empresariais e destaca o impacto do racismo estrutural, que dificulta o acesso desses profissionais a posições de poder. A pesquisa identifica também que, entre os executivos, a maioria das oportunidades de alta liderança ainda recai sobre homens brancos, perpetuando um ciclo de exclusão racial e de gênero.
Para superar essas barreiras, iniciativas como o Instituto Patuá, fundado por Kwami Alfama Correia, buscam apoiar e capacitar profissionais negros para a alta liderança, criando redes de networking e promovendo treinamentos especializados. Correia, ex-CEO da Zeg Biogás, acredita que dar visibilidade a esses profissionais e apoiar seu desenvolvimento são passos essenciais para promover uma mudança significativa na diversidade das lideranças empresariais no Brasil
A questão da diversidade no ambiente corporativo, embora ganhe cada vez mais atenção, ainda encontra resistência estrutural. A representatividade negra nas empresas brasileiras depende de ações afirmativas e de uma mudança cultural mais ampla, que inclua maior acesso à educação e ao desenvolvimento profissional para essa parcela da população.
Furando essa bolha e representando os pretos em cargos de decisão, está Victor Gomes, sócio fundador e CEO na Gryfo, startup especializada em reconhecimento facial. Especialista em Gestão Empresarial pela FGV e mestre em Engenharia de Software pela UFSCar, Victor dedica-se à gestão e novos negócios da empresa, onde gerencia a equipe de Desenvolvimento de Produtos e as áreas de Marketing e Vendas.
“Ser negro nunca foi um obstáculo direto para a construção da minha carreira, mas, como para muitos afrodescendentes no Brasil, também não foi uma vantagem. Nunca tive acesso a bolsas ou tratamento diferenciado pela cor da pele e, muitas vezes (quase sempre), fui e sou o único preto em ambientes predominantemente brancos. A experiência traz uma sensação de desconforto, algo com que aprendi a lidar ao longo do tempo”, revela o CEO.
A história de Victor começa em São Carlos, cidade conhecida por sua força tecnológica. Nascido numa família de baixa renda e com três irmãos, já aos 15 anos ele precisou assumir grandes responsabilidades, logo após seu pai sair de casa. “Desde então, estudar tornou-se a forma de transformar minha vida e de inspirar meus primos e irmãos mais novos. Com esforço e dedicação, fui o primeiro da minha família a iniciar e concluir uma universidade pública, o que me abriu portas para o mercado de trabalho e permitiu avançar em minha formação com um mestrado e mais duas especializações em tecnologia e negócios. Ainda na faculdade, meus primeiros passos no empreendedorismo surgiram em projetos paralelos. Esse caminho de constante aprendizado e ousadia levou à criação da Gryfo, empresa que co-fundei ao lado do meu sócio Arthur, onde investimos tempo, dinheiro e dedicação para conquistar os primeiros clientes e construir nosso time”, revela o CEO.
Em 2017, o reconhecimento facial ainda era uma tecnologia com sérios déficits, principalmente para pessoas negras, mas a startup mudou essa realidade. “Eu mesmo enfrentei problemas com ferramentas de identificação, como no gov.br, uma experiência comum entre afrodescendentes que frequentemente sentem o impacto do viés racial nas tecnologias atuais. Motivados por essa realidade, mergulhamos na pesquisa das causas e desenvolvemos uma solução que não apenas fosse inovadora, mas que respeitasse a diversidade dos usuários”, diz.
E eles conseguiram a tecnologia desenvolvida é extremamente precisa e de alta qualidade. Hoje, como CEO, Victor diz seguir acreditando que o propósito e o apoio das pessoas certas foram elementos decisivos para o seu crescimento. A ferramenta desenvolvida representa muito mais do que inovação; é um símbolo do compromisso com uma tecnologia inclusiva e acessível, algo que ainda falta no mercado brasileiro.
“Acredito que todos os avanços tecnológicos precisam ser pensados para todos – sem exceções. A jornada é de longo prazo, e os desafios continuam, mas a missão de transformar a tecnologia em uma aliada de todos é, para mim, o verdadeiro propósito do nosso trabalho”, enfatiza Victor, que transformou a exclusão em inclusão.