O papel do conselho de administração nas empresas evoluiu ao longo dos anos. Se antes seu objetivo estava estritamente ligado à transparência dos resultados, hoje o planejamento estratégico está no topo da agenda do colegiado, a fim de garantir a perenidade da organização.
No Brasil, contudo, de acordo com Sérgio Simões, sócio da EXEC, consultoria especializada na seleção e desenvolvimento de altos executivos e conselheiros, essa mudança de foco ocorre de forma lenta nas empresas. Segundo ele, a maioria esmagadora dos negócios ainda tem um olhar muito voltado para trás, para os resultados da organização, priorizando o lado financeiro.
“Mas não há mais espaço para esse perfil de conselho, pois estamos vivendo uma era de mudanças importantes, marcada pela transformação digital, o que demanda que o colegiado olhe para a frente, entendendo o que acontece no presente para, a partir desse ponto, tentar prever o futuro”, comenta o especialista.
Para Simões, a mentalidade voltada para os resultados financeiros fazia sentido antes, mas não cabe mais numa realidade pautada pela tecnologia e inovação, que modificam a forma de fazer negócios, o relacionamento com os clientes e o modo com que as operações são conduzidas. Nesse cenário, o conselho de administração precisa ter uma mentalidade empreendedora, no sentido de trazer para si não apenas a elaboração da estratégia, mas sua implementação e manutenção, tomando decisões baseadas em dados e levando em conta os novos comportamentos dos consumidores, que estão cada vez mais empoderados.
Por meio de um longo trabalho de benchmark, a EXEC desenvolveu uma ferramenta interna para medir o nível de maturidade dos conselhos de administração brasileiros. Durante 2023 e 2024, a consultoria avaliou o perfil do colegiado de mais de 100 empresas de grande porte no país e descobriu, de acordo com a metodologia aplicada, que somente 5% dos boards é considerado eficiente, 12% é eficaz, 34% é maduro e 49% é imaturo – ou seja, quase metade dos conselhos ainda precisa passar por mudanças.
“A grande maioria tem encontrado dificuldades para colocar em prática discussões estruturadas sobre assuntos básicos que devem integrar a pauta dos conselhos, como modelos de negócio e jornadas do consumidor. Inserir a pauta da transformação digital nos rumos da organização é um desafio e tanto”, ressalta Simões.
A constatação sobre os conselhos de administração feita pelo sócio da EXEC foi baseada em participações em boards. Desde 2022, Simões integrou 10 colegiados, além da experiência com o trabalho realizado pela EXEC em ajudar organizações a alcançarem efetividade em relação aos conselhos. Outro ponto importante levantado pelo especialista está ligado ao fato de que nem sempre todos os conselheiros estão alinhados às estratégias do negócio.
“Se você perguntar para 14 conselheiros quais são os projetos que estão sendo colocados em prática, metade deles vai trazer um tipo de resposta e a outra, informações divergentes. Isso mostra que eles não têm conhecimento sobre o atual momento da companhia, algo que é determinante para uma atuação eficaz”, alerta.
Gestão eficiente ainda não é prioridade
Apesar de o novo momento vivido pelas empresas demandar um forte olhar voltado para a gestão eficiente, ela ainda não é a prioridade, gerando vários conflitos com a questão da propriedade, principalmente no contexto das empresas familiares. Importante lembrar que, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 90% dos negócios do país têm perfil familiar.
“Nesse tipo de empresa sempre há representantes das famílias ocupando cadeiras no conselho. Já presenciei muitas situações em que os integrantes da família demonstram mais preocupação com o patrimônio, colocando a gestão da companhia em segundo plano, o que gera conflitos com o restante da organização. Vale lembrar, entretanto, que é uma boa gestão que vai definir o futuro da organização”, enfatiza Simões.
O sócio da EXEC aponta ainda outro problema que acomete os boards: o “efeito rebanho”. Como boa parte dos conselhos de administração contam com um colegiado formado por executivos de outras empresas ligadas ao grupo, quando há divergências de opinião, muitos acabam seguindo opiniões alheias e não se posicionam verdadeiramente.
5 pontos que podem diminuir a efetividade de um conselho de administração
Após longa vivência junto a conselhos de administração, Simões elencou cinco situações principais que levam um colegiado a ser menos efetivo, prejudicando o crescimento da organização:
Não ter independência
“Encontramos, nessas vivências, muitos conselhos de administração cujo controle do colegiado é feito pelo CEO da companhia e não pelo presidente do board, que acaba ocupando uma função puramente figurativa e não consegue atuar de forma independente. Esse é um problema que precisa ser ajustado, pois aqui há uma inversão de papéis”.
Falhas na comunicação
“Muitos conselheiros não conhecem a empresa que cuidam, nunca conversaram com os clientes ou visitaram seu centro de distribuição, por exemplo. Os gaps na comunicação e a falta de conhecimento dificultam a elaboração dos questionamentos adequados, motivados pela falta de informação, que chega em cima da hora ou não vem. Isso compromete a profundidade das discussões durante as reuniões”.
Ausência de alinhamento estratégico
“Isso ocorre quando falta clareza, por parte da empresa, sobre seus direcionamentos estratégicos. Assim, é fundamental que o conselho saiba para onde a organização vai, como irá e quais caminhos adotará para alcançar seus objetivos. Não ter essas informações tira o controle da gestão do planejamento estratégico, comprometendo o futuro da companhia”.
Não ter um conselho plural
“Se a empresa não tem um colegiado composto por personalidades e competências alinhadas ao seu momento atual, incluindo metas, desafios e mudanças, isso torna mais difícil o caminho para adequar a empresa a essa realidade. Uma organização que pretende fazer uma expansão internacional mas não tem ninguém no conselho que traz essa bagagem dificilmente terá êxito”.
Não incluir a transformação digital na pauta
“A dificuldade de colocar a transformação digital na lista de prioridades de conversas dos conselhos no Brasil é enorme. Mas para chegarmos a esse ponto, que é crucial, deve-se primeiro resolver questões estruturais, como a comunicação”.
Simões ressalta, porém, que há um grande potencial de desenvolvimento em relação aos conselhos de administração brasileiros. O caminho é longo, sendo necessárias algumas correções de rota, mas se as empresas colocarem seus esforços nessa agenda o futuro será promissor.