As queimadas na Amazônia são uma ameaça catastrófica que afeta não apenas a biodiversidade da floresta, mas também a estabilidade climática global. Anualmente, grandes áreas na região são devastadas pelo fogo, seja por incêndios descontrolados ou por práticas ilegais de extração de madeira e desmatamento para a agricultura e a pecuária. No entanto, em meio a esse cenário desolador, a tecnologia surge como ferramenta poderosa e indispensável no combate a essas práticas e na preservação dos recursos naturais. O desenvolvimento e a aplicação de soluções tecnológicas, especialmente no monitoramento remoto e no apoio a equipes de campo, têm se mostrado cruciais para enfrentar esse desafio com mais eficiência e precisão.
Historicamente, o combate às queimadas sempre foi um desafio devido à vastidão das áreas florestais e à dificuldade de acesso às regiões afetadas. Com uma cobertura de quase 5,5 milhões de quilômetros quadrados, a Amazônia apresenta barreiras logísticas imensas. No entanto, a evolução tecnológica tem permitido que áreas antes inatingíveis possam ser monitoradas continuamente, mesmo nos períodos mais críticos da estação seca. Ferramentas como imagens de satélite de alta resolução, algoritmos avançados de detecção e aplicativos móveis para coleta de dados em campo tornaram-se essenciais para que as equipes possam atuar com precisão e rapidez, minimizando o impacto das queimadas e combatendo o desmatamento.
Um exemplo concreto dessa abordagem tecnológica é o Projeto Ahu, localizado no município de Paranatinga, no Mato Grosso, bem entre os biomas do Cerrado e da Amazônia – uma área particularmente vulnerável à exploração ilegal de madeira e a incêndios descontrolados. Em 2023, o projeto evitou o desmatamento de 341 hectares, graças à integração entre tecnologias avançadas, monitoramento e ações de campo, como a criação de brigadas de incêndio, equipamentos de combate às queimadas e caminhões pipa, que ajudaram a conter o fogo em tempo recorde. Apenas no episódio mais recente de queimada, o fogo foi controlado rapidamente, queimando apenas 600 dos 32 mil hectares da área protegida. Além disso, foi estabelecido um fluxo de comunicação por meio do Programa de Integridade Florestal desenvolvido pela Carbonext, que promove uma governança eficaz entre os diferentes atores envolvidos no combate aos incêndios. Esse programa facilita a coordenação, acelera as respostas e incentiva o uso eficiente das tecnologias em favor da manutenção e conservação das florestas.
Nesse sentido, a aplicação de tecnologias de monitoramento via satélite, como o CarbonEye, desenvolvido pela Carbonext, tem um papel especial ao transformar o combate às queimadas em uma operação mais precisa e ágil. Utilizando imagens do satélite Sentinel-2, da Agência Espacial Europeia, a solução tem a capacidade de detectar focos de incêndio e desmatamento quase em tempo real, conseguindo identificar ameaças antes que elas escalem para situações incontroláveis. Uma característica fundamental desse sistema é seu algoritmo de detecção de anomalias na cobertura florestal, capaz de diferenciar fenômenos naturais de ações humanas ilegais, filtrando as informações relevantes e evitando alarmes falsos.
Outro ponto relevante é que, sem tecnologia, o combate às queimadas e ao desmatamento seria essencialmente reativo – as equipes de campo só poderiam atuar depois que o dano estivesse visível e já avançado. Com sistemas como o CarbonEye, é possível implementar um modelo proativo de monitoramento. Integrado com outras plataformas, como o BDQueimadas e o DETER, ambos do INPE, e o RADD da Global Forest Watch, o sistema fornece alertas processados com frequências diárias . Isso permite que as brigadas sejam mobilizadas com rapidez e precisão, muitas vezes conseguindo impedir que pequenos focos de incêndio ou de desmatamento se transformem em verdadeiras catástrofes.
A tecnologia, porém, não opera sozinha. Ela depende da atuação integrada de equipes de campo capacitadas, responsáveis por verificar e validar as informações capturadas remotamente. E mais: é preciso que a tecnologia “converse” com essas equipes, permitindo a elas alimentarem os bancos de dados com informações direto do campo. A Carbonext desenvolveu um aplicativo específico para essas equipes, que facilita o registro de ocorrências diretamente das áreas de risco. O aplicativo permite que brigadistas e monitores insiram informações – incluindo fotos, localização etc. – de desmatamentos ou queimadas durante rondas periódicas, mesmo sem conexão com a internet, com os dados sendo posteriormente integrados ao sistema CarbonEye.
Ao analisarmos os desafios e soluções para o combate ao desmatamento e às queimadas, fica evidente que a tecnologia desempenha um papel essencial. No entanto, é igualmente importante destacar que ela não é uma solução isolada. A combinação de inovação tecnológica, ação coordenada em campo e políticas públicas rigorosas é o que realmente pode transformar o cenário atual. Enquanto as queimadas continuam a ameaçar a Amazônia, o uso inteligente e estratégico da tecnologia, com soluções inovadoras na área de sensoriamento remoto, cartografia e geoprocessamento, pode, de fato, ser a chave para garantir que a floresta permaneça em pé, protegendo não só a biodiversidade local, mas também o clima global e as gerações futuras.
Daniela Paes da Rocha, gerente SIG de projetos REDD+ da Carbonext. Graduada em Engenharia Florestal pela UFRJ, mestre em Engenharia de Biossistemas pela UFF e mestre em Sensoriamento Remoto pela Universidade de Navarra, Espanha.