terça-feira, outubro 22, 2024

Poluição incentivada das águas: Projetos de Tratamento de Esgoto podem demorar até 5 anos para obtenção da licença ambiental

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Nos últimos 12 meses, a Iniciativa Imagine Brasil, liderada pela Fundação Dom Cabral (FDC), realizou uma série de seminários com o objetivo de identificar e propor soluções para superar os desafios que atrasam o processo de despoluição das águas interiores e costeiras do Brasil. Em um país com cerca de 90 milhões de habitantes sem conexão às redes coletoras de esgoto, dentre os temas analisados, o licenciamento ambiental destacou-se como um fator estratégico para acelerar o ritmo dos investimentos necessários para a construção de estações de tratamento de esgotos.

Assim, para endereçar soluções de políticas púbicas ao tema, foi elaborado o estudo técnico “Despoluição das águas interiores e costeiras do Brasil – Propostas para o aperfeiçoamento do licenciamento ambiental e instrumentos complementares intersetoriais” com a parceria do Instituto Trata Brasil e colaboração do Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social e Sustentável da Presidência da República.

O documento resgata o marco legal do saneamento e os desafios do licenciamento ambiental de Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) e apresenta propostas objetivas para modernizar o processo de licenciamento, visando reduzir os prazos e, ao mesmo tempo, aumentar o rigor técnico e a eficácia dos instrumentos de gestão ambiental, no sentido de privilegiar a escolha das melhores alternativas para a implantação de uma ETE.

Ao longo do processo de elaboração, conduzido por um grupo de especialistas, o documento foi discutido com diferentes setores do Governo Federal, Congresso Nacional, setor privado, academia e organizações da sociedade civil. Após as consultas e com base nas contribuições recebidas, o estudo vem a público.

Metas de universalização

A Lei nº 14.026/2020, denominada Novo Marco Legal do Saneamento, estabeleceu metas para a população brasileira dispor de serviços de coleta e tratamento de esgotos sanitários. Pelo regramento vigente, até 2033, ao menos 90% da população deverá ser atendida com serviços de coleta e tratamento dos esgotos.

Segundo os especialistas do Imagine Brasil, será inviável cumprir essa meta pela falta de investimento e o processo de licenciamento ambiental inviabiliza o ritmo do trabalho de instalação de ETEs. Portanto foram elaboradas propostas para viabilizar as metas previstas no Marco de Saneamento.

Esgotamento sanitário do Brasil

O Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) ano base 2022, indica que apenas 56% da população total brasileira é atendida por rede coletora de esgoto, com grande variação regional: na Região Sudeste 80,9%; Região Centro Oeste 62,3%; Região Sul 49,7%; Região Nordeste 31,4%; e Região Norte 14,7%.

A falta de planejamento urbano, com ocupações desordenadas nos fundos de vale das cidades, tem dificultado a implantação de redes coletoras e interceptores de esgotos, com lançamento direto em córregos e ribeirões, poluindo grande parte dos cursos d’água do país. Assim, para a despoluição das águas por esgotos domésticos há que se pensar de forma ampla como um sistema composto por redes, coletores tronco, interceptores e emissários que garantam o transporte dos esgotos sanitários até a ETE.

O licenciamento ambiental da ETEs vigente no Brasil

A Resolução Conama 01/86 estabeleceu no Art. 2º a listagem exemplificativa das atividades sujeitas ao licenciamento ambiental dependendo de estudos de impacto ambiental (EIA/Rima). Com relação aos esgotos sanitários há apenas menção no inciso V: Oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários.

As ETES não foram listadas, talvez porque não fosse uma realidade no país no início da década de 1980, ou porque considerou-se que as atividades poluidoras seriam apenas as infraestruturas que transportam os esgotos sanitários, lançando-os nos corpos d’água.

Todavia, há consenso jurídico que a listagem exemplificativa não elimina a exigência para outras atividades não listadas. A Resolução Conama 237/97 que alterou a Conama 01/86, dispôs sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental, estabelecendo em seu Anexo 1 os empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental, incluído as ETEs.

A Conama 237/97 delegou aos órgãos ambientais competentes para o licenciamento ambiental procedimentos específicos e simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, a serem deliberados pelos respectivos conselhos de meio ambiente, visando a agilidade dos mesmos (Art. 12). A partir daí a profusão de critérios para o licenciamento ambiental das diversas atividades, inclusive ETEs, pelas centenas de órgãos ambientais, considerando os níveis federal, estadual, distrital e municipal, são incontáveis.

Visando propiciar certa uniformidade de critérios, o Conama aprovou a Resolução 377/2006 que dispôs sobre o licenciamento ambiental simplificado de sistemas de esgotamento sanitário, incluindo as ETEs.

A lei Complementar 140/2011 modificou as competências dos entes federativos, confirmando, todavia, a competência de todos eles para o licenciamento ambiental. Como os órgãos ambientais estaduais, distrital e municipais podem ser mais restritivos que a norma federal, apesar da Conama 377/2006, as exigências para o licenciamento de ETEs muitas vezes ainda são consideradas um gargalo para sua implantação.

Por que aprimorar o modelo atual?

As Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) são sistemas de controle de poluição destinados a remover a carga poluidora dos esgotos domésticos, principalmente a de origem orgânica expressada pela Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO).

Com a implantação de uma ETE, o córrego, rio, lago ou águas marinhas tem a sua carga poluidora diminuída, razão pela qual o licenciamento ambiental deveria ser menos processual e cartorial.

Na contramão do desenvolvimento socioeconômico e sustentável do país, é comum, no Brasil, termos projetos de tratamento de resíduos líquidos e sólidos que demoram até 5 anos para a obtenção da licença ambiental.

Sendo o licenciamento ambiental um fator que atrasa o ritmo dos investimentos, é preciso pensar no aperfeiçoamento do modelo atual, mantendo a premissa do rigor técnico necessário para assegurar a boa gestão ambiental e trazendo aumento da eficiência e eficácia dos processos de licenciamento.

Caminhos apresentados no documento

Para acelerar a despoluição das águas, entende-se ser preciso aperfeiçoar os instrumentos de licenciamento ambiental para Estações de Tratamento de Esgotos – ETEs.

A premissa é de que as ETEs não podem ser tratadas como se fossem uma indústria (química, farmacêutica, petroquímica etc). Como despoluidoras dos corpos hídricos, devem ser tratadas como uma atividade de melhoria da qualidade ambiental, com impactos sociais, econômicos e ambientais que contribuem de maneira destacada para a prosperidade do Brasil.

Os caminhos apresentados são organizados em:

Propostas de aprimoramento do processo de licenciamento ambiental

Outorga para o lançamento de efluentes de ETEs

Mudanças na estrutura do licenciamento ambiental

Fortalecimento institucional dos órgãos ambientais

Educação ambiental

Instrumentos econômicos

Saneamento em terras indígenas, quilombolas e unidades de conservação de uso sustentável

Saneamento em assentamentos humanos rurais

Pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica

Sobre os autores:

Virgílio Viana: Engenheiro Florestal pela ESALQ/USP, Ph.D. pela Universidade de Harvard, ex-Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, Superintendente Geral da Fundação Amazônia Sustentável, Membro da Pontifícia Academia de Ciências Sociais do Vaticano e Professor Associado da Fundação Dom Cabral.

José Carlos Carvalho: Engenheiro Florestal pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Lavras, ex-Diretor Geral do IEF/MG, ex-Secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, ex-Diretor do IBAMA, ex-Ministro de Meio Ambiente, Conselheiro do Instituto Inhotim.

José Cláudio Junqueira Ribeiro: Engenheiro Civil Sanitarista pela UFMG. Mestre em Saneamento e Urbanismo pela Ecole Nationale de La Santé Publique da França. Doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG. Professor Pesquisador do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara. Ex Presidente da Fundação Estadual de Meio Ambiente- FEAM.

Viviane Barreto: Mestre em Administração pela PUC-MG/FDC, MBA Executivo pela Fundação Dom Cabral, Pós MBA na Kellogg School of Management/FDC. Diretora de Estratégia Internacional da Fundação Dom Cabral e co-coordenadora da iniciativa Imagine Brasil.

Sobre a iniciativa Imagine Brasil:

Imagine Brasil é uma iniciativa da Fundação Dom Cabral – FDC com o propósito de contribuir diretamente para a prosperidade sustentável e inclusiva do país, e a integração das lideranças do mercado, da sociedade civil e do setor público, para este fim.

Imagine Brasil busca mobilizar e inspirar agentes de diferentes segmentos da sociedade brasileira para influenciar, desenvolver e implementar políticas públicas e preceitos e práticas empresariais transformadoras.

A iniciativa nasceu de discussões no Conselho Curador da FDC sobre o papel de uma escola de negócios em relação aos desafios históricos do Brasil – que resultam em sua desigualdade social profunda e crônica – e ao privilegiado potencial do país na economia verde.

Por meio da Imagine Brasil, a Fundação Dom Cabral aplica seus ativos de conhecimento, relacionamento e articulação para encontrar soluções para questões complexas. Dessa forma, reitera sua responsabilidade pública com o país e sua sintonia com as transformações do mundo.

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