Historicamente, as estações do ano no Brasil sempre desempenharam um papel essencial na definição da oferta e da demanda de energia elétrica. Como um país fortemente dependente de hidrelétricas, enfrentamos sérios desafios durante os períodos de seca, como os que ocorrem no outono e inverno. Nesses meses, a redução das chuvas costuma deixar os reservatórios das usinas hidrelétricas em níveis críticos, forçando o acionamento de usinas termelétricas — que, além de serem mais caras, são altamente poluentes.
No entanto, o que estamos vivenciando agora é uma ruptura nesse padrão. Em 2024, entramos na primavera ainda sob os efeitos de uma seca prolongada, que pode se estender até a segunda quinzena de outubro. Normalmente, esperamos que as chuvas da primavera aliviem a pressão sobre nossos reservatórios, mas esse não é mais o cenário. As chuvas, que antes eram previsíveis em períodos específicos, agora se tornaram cada vez mais incertas, dificultando ainda mais nosso planejamento energético.
E esse é um problema que não se restringe ao Brasil. O mundo todo está enfrentando eventos meteorológicos extremos, como tempestades, inundações e secas severas, de maneira cada vez mais frequente e intensa. Lembro, por exemplo, da inundação devastadora que atingiu o Rio Grande do Sul em maio de 2023 e do fenômeno climático sem precedentes no litoral norte de São Paulo. Esses são apenas dois exemplos que ilustram como o clima está se tornando mais volátil — e como isso representa um desafio enorme para o setor energético.
Além de afetar a oferta de energia, o aquecimento global também altera nossos padrões de consumo. No verão, as temperaturas elevadas impulsionam o uso de ar-condicionado e ventiladores, pressionando ainda mais o sistema elétrico. Já no inverno, o uso de aquecedores e chuveiros elétricos dispara, especialmente em regiões mais frias. Essa mudança na demanda, combinada com a oferta cada vez mais incerta, cria um ambiente de instabilidade que impacta diretamente o bolso dos consumidores.
Com esse cenário imprevisível, vemos um reflexo imediato no sistema de bandeiras tarifárias. Quando os níveis dos reservatórios estão baixos, recorremos a fontes de energia mais caras, como as termelétricas, resultando nas bandeiras amarela e vermelha. E isso, claro, aumenta as tarifas de energia, sobrecarregando o consumidor. A falta de chuvas e os padrões sazonais desregulados tornam a expectativa de uma tarifa mais alta uma realidade constante.
Diante disso, a resposta para esse desafio passa, inevitavelmente, pela diversificação da nossa matriz energética. As mudanças climáticas exigem investimento em fontes alternativas, como energia eólica e solar, que são menos suscetíveis a variações sazonais.
Com um planejamento energético mais robusto, capaz de mitigar os impactos de fenômenos extremos e reduzir nossa dependência das hidrelétricas, será possível se adaptar à quebra dos padrões sazonais no Brasil e no mundo. Se quisermos garantir uma oferta estável e acessível de energia, precisamos agir agora — investindo em alternativas resilientes e adaptando nosso planejamento para essa nova realidade climática. O futuro da nossa energia depende das escolhas que fizermos hoje.
Giancarlo Tomazim, Chefe de ESG e Marketing da Lead Energy.