segunda-feira, setembro 16, 2024

Levantamento inédito revela que a cultura de doação ainda está em desenvolvimento no Brasil

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Os atos de solidariedade e doação fazem, cada vez mais, parte do cotidiano do brasileiro, mas ainda são menores do que o potencial existente. É o que aponta a 1ª edição do Termômetro da Doação, estudo elaborado pelo Movimento por Uma Cultura de Doação (MCD). O estudo foi lançado no último dia 5, na Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP), em São Paulo (SP), e os dados coletados mostram que a cultura de doação no Brasil ainda está em desenvolvimento, com a ausência expressiva de indicadores e com linhas estagnadas.

Para identificar o cenário das doações no país, foi necessário montar um time de pesquisadores, que fez uma análise das cinco diretrizes do MCD e diversas pesquisas por outras organizações que trabalham pelo fomento da Cultura de Doação no Brasil, além de dados públicos. Após essa etapa, foram estabelecidos os pontos a serem acompanhados para formar uma visão clara da evolução da cultura de doação no país e foram agrupados de acordo com cada uma das diretrizes do MCD, mais uma categoria global que representa a prática da doação em si, e que funciona como uma síntese e reflexo do resultado final dos esforços. A pontuação máxima que cada grupo pode atingir é de 100%, e a nota varia de acordo com o grau atingido.

 As Rubricas Globais: práticas de doação no Brasil conseguiram atingir 56%, o que mostra que ela ainda tem muito a desenvolver. “O Termômetro é uma pesquisa inovadora e interessante no campo da doação porque ele não produz dados primários. O que ele está fazendo é olhar para todos os dados que foram produzidos  sobre doação nos últimos anos e  sistematizá-los de maneira que possamos enxergar o ecossistema de uma forma muito mais ampla”, afirma Erika Sanchez Saez, membro do comitê coordenador do MCD. “Ele é uma ferramenta muito potente para a sociedade como um todo, mas especialmente para quem trabalha com doação, que conseguirá observar a evolução e traçar as estratégias, porque a ideia é utilizá-lo a cada dois anos e poder de fato monitorar o desenvolvimento da doação”, complementa.

Dentre os pontos analisados na rubrica global de doação, que fizeram com que o resultado fosse a classificação “em desenvolvimento”, estão: volume de doações realizadas por pessoas, por empresas/instituições e sua representatividade no PIB; quantidade de pessoas e de empresas/instituições que doam; frequência com que as doações são feitas; ticket médio das doações realizadas por pessoas e empresas/instituições e a quantidade de pessoas e empresas que fazem e promovem o trabalho voluntário.

Grande parte das diretrizes está em desenvolvimento

A análise dos resultados é baseada em pontuações e porcentagens. Foram atribuídos pontos a cada um dos critérios avaliados, sendo de zero a quatro e, para cada diretriz, são somados os pontos obtidos e calculada a porcentagem sobre a máxima pontuação possível para aquela dimensão. O percentual obtido enquadra a diretriz em um nível de desempenho, sendo que quando a diretriz não atinge 25%, é considerada crítica ou em regressão. Se alcança 25% ou mais, mas não ultrapassa 49,9%, é considerada estagnada. A diretriz é considerada em desenvolvimento, como é o caso da Rubrica Global, quando atinge 50%, mas não chega a 75%. Finalmente, uma rubrica é classificada como avançada quando atinge ou supera 75%.

As diretrizes analisadas no Termômetro das Doações foram desenhadas de forma colaborativa com muitos membros do  MCD – muitos deles representantes das organizações mais importantes sobre o tema – para tornar o Brasil um país mais doador. A primeira, Educar para a Cultura de Doação, se encontra estagnada. Nela, estão as ações de conversar com crianças e adolescentes e fortalecer o espírito cívico e comunitário desde cedo. As formas de fazer isso são as mais variadas, mas devemos, enquanto sociedade, criar ambientes propícios à educação transformadora de pessoas e empresas.

Um dos eixos analisados na diretriz foi o de iniciativas educativas sobre cultura de doação presentes em escolas e universidades, considerado regular, pois há envolvimento de poucos centros de educação, focalizados no Sul e Sudeste e em ações pontuais. Segundo o mapeamento do MCD, o percentual de iniciativas voltadas a educar para uma cultura de doação que interagem com escolas e universidades, por exemplo, e que buscam promover a iniciativa é de apenas 8% e 6%, respectivamente, segundo mapeamento realizado pelo próprio MCD. A nota final da diretriz foi de 41%.

Já a diretriz 2, Promover narrativas engajadoras está em desenvolvimento, com uma pontuação de 50% e com foco em a doação virar assunto no cotidiano da sociedade. Essas narrativas sobre o assunto têm de chegar a uma diversidade maior de público, mas sendo engajadoras, positivas, qualificadas e inclusivas. Um exemplo disso é conectar o ato de doar à realidade de cada pessoa, promovendo empatia e confiança no poder transformador de cada doação.

Nesta diretriz, a falta de dados traz prejuízos aos resultados. O eixo narrativas positivas, qualificadas e inclusivas não conta com informações, enquanto o eixo canais e estratégias de comunicação voltados para públicos diversificados foi considerado ruim, pois o volume médio e estimado de recursos das iniciativas relacionadas é de até 100 mil reais ao ano. Por outro lado, o eixo de ações positivas visibilizadas e reconhecidas alcançou o patamar máximo, sendo considerado excelente.

De acordo com uma das pesquisadoras responsável pela metodologia do Termômetro, Ana Lima, alguns indicadores podem ser obtidos por meio da mobilização do setor. “Alguns desses indicadores são de fato complexos para serem mensurados e requerem estudos específicos e muitas vezes de alto custo. Outros, no entanto, podem ser obtidos organizando informações já disponíveis. Espera-se que a ausência de dados apontada pelo Termômetro incentive os membros do Movimento a coletar e sistematizar essas informações de forma colaborativa, trazendo assim mais visibilidade para o que ocorre nesse campo e ajudando a traçar estratégias para fortalecê-lo”.

Na diretriz 3, Criar um ambiente favorável à doação, a classificação geral ficou como estagnada, mas com uma média de cerca de 35%. Aqui, o lema de que doar precisa ser fácil norteou a diretriz, pois além de estimular, facilitar a doação é essencial. Superar as barreiras tributárias, simplificar o sistema de uso dos incentivos fiscais e democratizar o acesso aos serviços bancários para doações são maneiras de fazer isso.

Novamente, a falta de dados prejudicou o resultado final. Desta vez no eixo grau de conhecimento das pessoas sobre a possibilidade de incentivos fiscais, que os pesquisadores não obtiveram informações. A média final foi de 35,71% e grande parte dos eixos analisados ficaram no regular. Um deles foi o volume de recursos das iniciativas relacionadas à diretriz, que está entre 100 e 225 mil reais ao ano.

A diretriz 4, Fortalecer as Organizações da Sociedade Civil é mais uma que encontra-se em desenvolvimento e com uma média final de 50%. A diretriz parte do princípio de que precisamos de uma sociedade civil fortalecida, plural e financeiramente estável. As Organizações da Sociedade Civil (OSC) precisam ser impulsionadas, fortalecidas e enxergadas em meio a outros tipos de negócios existentes. O terceiro setor precisa de profissionais qualificados e com boas condições de trabalho. Quando essas demandas são atendidas, as organizações podem ser retratadas positivamente e respeitadas na mídia e por seus doadores, criando um ciclo virtuoso e de sucesso.

Durante a pesquisa, mais um eixo ficou sem informações: o de estimular a entrada de novos profissionais no terceiro setor. Em contrapartida, três eixos receberam a classificação máxima, sendo eles o volume de recursos das iniciativas relacionadas à diretriz; grau de cobertura das recomendações apresentadas na diretriz e gestão, governança e transparência.

A quinta e última diretriz é Fortalecer o ecossistema promotor da Cultura de Doação, também em desenvolvimento e com média final de 46%. A base da diretriz é de que o terceiro setor e a filantropia precisam se reconhecer como ecossistema e começar a trabalhar de forma articulada e estratégica. Desta forma, é necessário atuar de maneira integrada e com uma agenda alinhada e focada na potencialização da área. Há também a necessidade de sensibilizar investidores sociais no financiamento de ações que fortaleçam o campo.

Apesar da diretriz também contar com um eixo sem indicador (doadores conscientes sobre a importância do financiamento de ações e atores), a diretriz 5 é a única que não possui eixos com nota considerada ruim, e apenas uma regular. Os outros três eixos foram bons, sendo o grau de cobertura das recomendações apresentadas; múltiplos espaços de promoção da cultura de doar e atuação conjunta e articulada.

Termômetro trará impactos ao Terceiro Setor

Embora o Termômetro indique que o setor está em desenvolvimento, para Erika, o resultado é positivo, pois demonstra que o esforço está sendo feito. “Eu acho positivo em duas dimensões: a primeira é conseguir olhar para esses dados todos juntos, e a segunda é porque a gente está em desenvolvimento, então tem esforço e trabalho sendo feito que estão dando resultado. Acho que esse resultado de estar em desenvolvimento está contando para a gente que há progressos acontecendo. São projetos, iniciativas, organizações e pessoas que estão trabalhando para promover a cultura de doação”.

Segundo a membro do comitê, os benefícios que o Termômetro trará ao terceiro setor são inúmeros, tanto para quem atua profissionalmente na área quanto para quem é beneficiado por projetos e iniciativas sociais. Apesar da falta de alguns indicadores, a primeira edição da pesquisa possibilita ter números e resultados concretos sobre o assunto, fazendo com que o tema se torne visível aos olhos da sociedade, iniciativas públicas e privadas.

Erika ainda destaca a importância de financiar o trabalho que já está sendo feito no setor, mas também monitorar e apoiar a produção de dados. Além disso, a mudança de cultura também precisa promover mudanças sistemáticas e resolver problemas complexos. “A fome, a pobreza, a desigualdade, a falta de acesso à educação, à saúde, a direitos, a justiça, ou a proteção do meio ambiente, são problemas muito complexos da nossa sociedade, e para resolvê-los a gente precisa de trabalho colaborativo e de muita doação”.

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