quarta-feira, dezembro 4, 2024

A Inteligência Artificial como ameaça e oportunidade para a igualdade de gênero

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No Dia da Ação pela Igualdade da Mulher (6/9) é crucial examinarmos o papel da Inteligência Artificial (IA) na promoção pelo avanço (ou não) da igualdade de gênero em toda a sociedade. A IA está revolucionando diversos aspectos de nossas vidas, desde assistentes virtuais até sistemas de recrutamento e diagnósticos médicos. No entanto, essa revolução tecnológica também traz consigo o risco de amplificar preconceitos e disparidades existentes. Neste artigo, exploraremos a disparidade de gênero, o papel da Inteligência Artificial (IA) e como as mulheres estão começando a se destacar nesse campo de atuação.

Disparidade de gênero em STEM – Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática

Vamos iniciar pela área onde a disparidade de gênero é maior desde sempre e, hoje, intensificada pela Inteligência Artificial: o campo da Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM). Embora as mulheres tenham avançado em várias áreas, a representação feminina nessas profissões permanece significativamente baixa, refletindo desafios estruturais e sociais que precisam ser abordados.

De acordo com dados da UNESCO, as mulheres representam, globalmente, apenas 30% da força de trabalho nas áreas STEM. Por exemplo, no campo da Engenharia, o índice é de apenas 13% de mulheres ativas. O índice piora quando analisamos posições de alto comando dessas áreas no mercado corporativo. Segundo o World Economic Forum, apenas 12,4% de cargos C-Level, em áreas de STEM, são ocupados por mulheres. A disparidade se origina de uma combinação de fatores, incluindo estereótipos de gênero, falta de modelos de referência e barreiras institucionais, como ambientes hostis e a falta de suporte durante a educação e o início da carreira.

Com o avanço da IA generativa, o cenário pode piorar ainda mais, aumentando a disparidade de gênero e excluindo mais mulheres do mercado, em especial de TI, caso não tenham acesso ao letramento digital e/ou não se mantenham atualizadas sobre os avanços da IA. Segundo a ONU, até 2050, as disciplinas de STEM devem cobrir 75% da economia de mercado global e, de acordo com a Unesco, somente 35% de estudantes formados nessas áreas serão mulheres. É preciso prestar atenção e investir fortemente na educação das meninas desde o nível escolar para que essa lacuna possa ser preenchida quanto antes.

A Inteligência Artificial transformará o mercado de trabalho de forma drástica e irreversível, com a extinção de muitas funções que conhecemos, mas, por outro lado, criando profissões e abrindo novos caminhos, especialmente em STEM.

 sub-representação das mulheres no campo da IA é alarmante. No Brasil, apenas 25% das pessoas trabalhando em IA são mulheres, segundo dados do LinkedIn em 2022. Essa disparidade não é única no Brasil; globalmente, a maioria dos CEOs das grandes empresas de tecnologia e a maior parte dos pesquisadores em IA são homens. Isso torna essencial a inclusão de mais mulheres nesses campos para garantir que as soluções de IA sejam justas e equitativas.

Desigualdade Algorítmica ameaça a igualdade de gênero

A falta de diversidade no desenvolvimento de Inteligência Artificial (IA) pode resultar em tecnologias que não atendem eficazmente às necessidades de toda a sociedade. Sistemas de IA podem perpetuar preconceitos de gênero, com estudos demonstrando que algoritmos podem exibir vieses, refletindo as opiniões e os preconceitos de suas equipes de desenvolvimento. Isso leva a um potencial de violação de leis antidiscriminação e de igualdade de oportunidades.

Diferentes pesquisas refletem não apenas a sub-representação feminina no desenvolvimento de IA, mas também como os vieses existentes podem ser amplificados pela tecnologia. Por exemplo, estudos mostram que 96% dos deepfakes contêm pornografia não consensual com rostos de mulheres. Além disso, algoritmos de classificação de imagens tendem a censurar mais fotos de mulheres, e traduções automáticas reforçam estereótipos de gênero.

À medida que a IA vem influenciando cada vez mais decisões em áreas como recrutamento e concessão de crédito, arriscamos retroceder em conquistas duramente alcançadas se não promovermos a diversidade nas equipes de desenvolvimento de IA e a transparência das empresas sobre os dados usados no treinamento de IA.

Paralelamente, é necessária a atualização das leis de proteção à imagem e combate ao cibercrime. Apenas com ações concretas nessas frentes poderemos garantir que o avanço da IA não amplie as desigualdades existentes, mas sim contribua para uma sociedade mais justa e equitativa.

Disparidade no mercado de trabalho

De acordo com a mais recente pesquisa do Oliver Wyman Forum, de 2024, com 25 mil adultos pesquisados, 59% dos trabalhadores do sexo masculino, com idades entre 18 e 65 anos, afirmam usarem ferramentas de IA generativa pelo menos uma vez por semana, enquanto as mulheres utilizam 51%. O mais preocupante é a diferença entre os trabalhadores jovens, da Geração Z: 71% dos homens entre 18 e 24 anos usam IA generativa, semanalmente, em comparação a 59% de mulheres.

Essa disparidade pode não apenas ampliar os desequilíbrios de gênero nas ocupações tradicionalmente femininas, como, por exemplo, atendimento ao cliente, profissionais de educação, enfermagem e serviço social, mas também limitar as oportunidades para as mulheres nas profissões do futuro.

Apesar do aumento no envolvimento de mulheres em projetos de IA e startups de tecnologia, persistem desafios significativos, principalmente no financiamento. Um levantamento realizado pela revista Startupsrevela que empresas fundadas por mulheres recebem menos de 12% dos investimentos das maiores gestoras de Venture Capital do Brasil. Das 901 startups analisadas, apenas 19,54% têm fundadoras mulheres, recebendo somente 11,83% do capital investido, evidenciando uma barreira substancial para empreendedoras no setor.

Um outro alarmante estudo da Universidade de St. Gallen, na Suíça, revelou que, além das dificuldades já existentes em obter financiamento, empreendedoras enfrentam preconceito baseado na aparência física. A pesquisa mostrou que mulheres consideradas atraentes têm 21% mais chances de conseguir investimentos. O experimento destacou preconceitos subconscientes que influenciam decisões de investimento. Isso ressalta a necessidade urgente de diversificar as equipes de investidores para mitigar distorções baseadas em gênero e aparência.

A introdução da IA no mercado de trabalho traz preocupações adicionais. Estudos mostram que as mulheres têm mais medo de serem substituídas por IA em seus empregos do que os homens. Esse temor não é infundado, considerando que muitas profissões tradicionalmente ocupadas por mulheres, especialmente aquelas que envolvem tarefas administrativas, têm alto potencial de automação.

Por onde começar

O domínio da AI pode oferecer oportunidades de desenvolvimento profissional para inúmeras mulheres, abrindo novos caminhos não apenas para carreiras em STEM. A educação em IA e o letramento digital podem ajudar a quebrar estereótipos de gênero relacionados à tecnologia, mostrando que mulheres têm capacidade de serem líderes em inovação tecnológica.

Combatendo qualquer tipo de discriminação, o letramento digital refere-se à capacidade dos indivíduos de compreender, criticar e influenciar as tecnologias algorítmicas que moldam grande parte de nossa realidade.

O letramento de IA na área da Educação é extremamente relevante, pois a grande maioria dos professores da rede pública de ensino é formada por mulheres, representando 80% no Brasil. Na educação privada, a proporção de mulheres também é bem alta, com cerca de 75%.

O total de mulheres educadoras ultrapassa 1,6 milhão em todo o país, o que chama a atenção para a necessidade de considerarmos as questões de gênero ao implementar novas tecnologias e políticas educacionais, como projetos de IA nas escolas das redes pública e privada em todo o Brasil.

Com cerca de 80% dos professores da educação básica sendo mulheres, as educadoras precisam ser consideradas as principais agentes de mudança para superarmos este desafio de igualdade de gênero e implementação equitativa de IA na sociedade digital e nas escolas.

Garantir que as mulheres educadoras tenham acesso a um letramento digital de qualidade, pode ampliar a nossa competitividade no setor de tecnologias emergentes e produção científica, inspirando estudantes, especialmente meninas, a seguir carreiras no campo STEM.

Esta abordagem valoriza o conhecimento profundo que estas educadoras têm sobre as necessidades dos alunos para o desenho de novas políticas educacionais que contemplem as mulheres e sua ascensão a um mercado de trabalho cada vez mais dominado pelas ciências e tecnologias.

Conclusão

A disparidade de gênero é uma questão complexa que requer esforços contínuos para ser solucionada. A inclusão de mulheres na área de IA, além de uma necessidade ética, é também uma oportunidade estratégica para a inclusão de mais mulheres no mercado de trabalho.

A IA tem o potencial de ser uma ferramenta poderosa para promover a igualdade, mas apenas se for desenvolvida e implementada de forma consciente e inclusiva. Diante desse cenário, fica clara a urgência em apoiar iniciativas voltadas para mulheres no campo do letramento digital e de áreas STEM, além da criação de políticas e leis que combatam a desigualdade algorítmica em nosso país.

Ivini Ferraz, Mestre em Mudança Social e MBA em Transformação Digital pela USP e CEO da Edtech Players School.

Iniciativas que incentivam a presença e a igualdade de gênero

Black in AI: Organiza workshops e oferece mentoria e ajuda financeira para participação em eventos

Queer in AI: Oferece bolsas de estudo para estudantes LGBTQIA + e ajuda com de pós-graduação

Latinx in AI: Foca em estudantes da América Latina, oferecendo mentorias e financiamento

Women in Machine Learning: Workshops anuais com foco em mulheres que trabalham na área.

Women in AI: Oferece programas de aceleração de startups lideradas por mulheres.

Players Multimídia School: Promove o letramento digital para escolas com base na igualdade de gênero

WIT (Women in Information Technology): Apoiado pela Sociedade Brasileira de Computação

Programa Meninas Digitais: Motiva alunas do ensino fundamental e médio a seguir carreira na área de computação.

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