O artigo é revisado por pares e coassinado por especialistas em hidrogênio do Reino Unido, Austrália, Canadá e EUA. A equipe inclui membros do grupo independente de especialistas Hydrogen Science Coalition e Ilissa Ocko, conselheira sênior do enviado presidencial especial dos EUA para o Clima, John Kerry.
Os autores descobriram que os planos globais de misturar hidrogênio aos sistemas de gás natural como uma tentativa de prolongar a vida útil da infraestrutura de gás vão, na verdade, atrasar o desenvolvimento da cadeia do hidrogênio. Segundo o texto, cada parte da infraestrutura de gás existente, desde dutos até aparelhos de uso final, enfrenta desafios técnicos, de segurança, ambientais e econômicos quando reutilizados para o hidrogênio.
Embora a mistura de uma porcentagem menor de hidrogênio com gás natural mitigue alguns desses desafios, isso oferece apenas uma pequena redução nas emissões de gases de efeito estufa e não é um primeiro passo para a reutilização da rede. A transição para uma porcentagem maior ou para hidrogênio puro não é possível sem reformas e substituições significativas na infraestrutura.
“Reutilizar nossa rede de gás natural para transportar hidrogênio parece atraente, mas nosso estudo identifica desafios técnicos em cada etapa, devido ao fato de que o hidrogênio possui propriedades físicas e químicas fundamentalmente diferentes do gás natural”, diz Paul Martin, coautor do estudo, engenheiro químico e cofundador da Hydrogen Science Coalition.
“Investir mais na infraestrutura de gás natural não é uma maneira eficaz de enfrentar a crise climática, e misturar hidrogênio em infraestrutura mal adaptada apenas aumentará os riscos de vazamentos de gás, explosões, emissões prejudiciais ao clima, emissões prejudiciais à saúde humana e altos custos de energia”, acrescentou.
O estudo é um alerta para os planos de energia do Brasil, afirma Shigueo Watanabe Jr, pesquisador do ClimaInfo que não participou da pesquisa.
“Como estamos vendo na Europa, os países que construíram muito gasoduto têm um problemão agora. Se essa infraestrutura que custou caro não servir para o hidrogênio, como dar alguma utilidade a ela nessa nova economia de baixo carbono? O Brasil ainda não está nessa enrascada, tem apenas 9.600 km de gasodutos, excluindo a distribuição nas cidades. O Reino Unido tem 27 mil km, e a Alemanha 40 mil km”, explica Watanabe. “Os novos planos de energia do governo, dando protagonismo ao gás e aos gasodutos, parecem querer importar essa encrenca. O Brasil não precisa disso, basta “plantar” fábricas perto da produção de hidrogênio.”
Mistura
“Misturar hidrogênio com gás natural em baixas porcentagens não abre caminho para substituir completamente o gás natural. Você só pode misturar uma pequena quantidade de hidrogênio nos tubos de gás natural antes de precisar de reformas caras. Essa pequena porcentagem de hidrogênio proporciona cortes de emissões insignificantes”, diz David Cebon, coautor do estudo e professor da Universidade de Cambridge e cofundador da Hydrogen Science Coalition.
“O hidrogênio verde, feito de eletricidade renovável, é escasso globalmente e muito caro. Ele deve ser reservado para usos de alta prioridade que não têm opções alternativas de descarbonização, em setores como a indústria. Misturar hidrogênio nos dutos de gás natural simplesmente não faz sentido, pois degrada significativamente o valor do hidrogênio, tornando o gás misturado muito caro, a menos que haja grandes subsídios governamentais.”
A fissuração acelerada pelo hidrogênio (HAFC) foi identificada como um desafio principal pelo estudo. Isso ocorre quando o hidrogênio se difunde nos aços comumente usados em dutos de transmissão de gás e aumenta a taxa de crescimento das fissuras, podendo, eventualmente, causar vazamentos ou rupturas nos dutos.
Por causa disso, o estudo conclui que a maioria dos dutos de transmissão de gás sem reformas só poderia transportar 100% de hidrogênio com segurança e aderir às regulamentações da indústria reduzindo a pressão operacional para apenas um terço dos níveis atuais, entregando aos clientes apenas um nono da quantidade de energia.
Dutos com vazamentos apresentam riscos de segurança e climáticos, pois o hidrogênio possui um risco maior de incêndio e explosão do que o gás natural e tem um potencial de aquecimento global 35 vezes maior do que o dióxido de carbono (CO2) nos primeiros 20 anos após sua liberação na atmosfera.
O estudo aponta que dutos industriais de hidrogênio construídos especificamente para esse propósito, feitos de materiais projetados especificamente para isso, operam há décadas de maneira diferente dos dutos de gás natural, com pressões baixas e quase constantes.