Historicamente, o voluntariado remonta à ideia de benemerência, isto é, ao ato de ajudar o outro para, de algum modo, sentir-se recompensado por tal esforço. No entanto, é essencial diferenciar o voluntariado do assistencialismo ou do autossacrifício em benefício ao próximo. Toda a ação de colaboração voluntária com a comunidade é válida e tem o seu lugar. Porém, os enfrentamentos que se apresentarão para nossa sociedade nas próximas décadas requerem reimaginar a prática do voluntariado.
O voluntariado deve ser visto como uma forma de atividade humana que produz valores humanos, como honestidade, respeito, empatia e responsabilidade, etc. Essa produção se dá por meio do engajamento individual em práticas e iniciativas que produzem impacto social positivo sem necessariamente objetivar a produção de valor econômico. O voluntariado, sob essa perspectiva, revela-se uma poderosa ferramenta de inovação social que gera valor humano ao enfrentar questões sociais cruciais, como a pobreza, a educação, a saúde, as desigualdades e a preservação do meio ambiente.
Ao contrário das inovações tradicionais, que focam em benefícios econômicos ou tecnológicos, a inovação social trata da resolução de problemas sociais e da melhoria do bem-estar de comunidades. Exemplos de inovação social incluem a criação de microcréditos para apoiar pequenos empreendedores, plataformas de economia compartilhada, ou programas comunitários de saúde e educação. A inovação social tende a ser impulsionada por abordagens colaborativas e participativas, envolvendo ativamente as comunidades e outras partes interessadas na criação e implementação de soluções.
Assim, é possível pensar voluntariado como uma via de mão dupla: em uma direção agentes produzem o “bem” de modo voluntário; na outra direção, contrapartidas socialmente valiosas podem ser oferecidas aos agentes que se engajam nessa produção voluntária do bem. Em termos práticos: imaginemos que trabalho voluntário pudesse contar pontos em programas de fidelidade como os de companhias aéreas, ou ainda que horas de voluntariado pudessem valer como horas de experiência profissional, aumentando a empregabilidade de jovens. Esses exemplos representam situações de ganha-ganha onde todos se beneficiam. Trata-se de olhar o voluntariado como uma “moeda social”, uma perspectiva em que “fazer o bem” traz consequências práticas positivas tangíveis para quem o faz, para além do sentimento de bem-estar pessoal.
É claro que criar tais formatos inovadores exigirão padrões e plataformas que permitam registrar agentes voluntários reais (e não fakes), além de regras para contabilizar horas de trabalho de forma auditável. É fundamental trazer consistência e segurança a esses modelos, para que empresas e outras organizações sintam-se motivadas a vincular-se a tais iniciativas. Mas o fato é que, em um mundo obcecado pela criação de riqueza econômica, tornar o voluntariado uma “moeda social” tem potencial para alavancar transformações sociais positivas a partir da aceleração da produção de valores humanos. Essa visão, creio, poderá ainda nos ajudar a mitigar alguns efeitos colaterais da aceleração da economia 4.0 (IoT, automação cognitiva) nas próximas décadas. Mas isso é assunto para outra oportunidade.
A aventura humana no planeta atravessa atualmente momentos críticos, com um mundo multipolar, variadas guerras em curso, crise das democracias, as implicações da IA, desinformação e fake news, e a projeção de quase 10 bilhões de habitantes em 2050, quando 15% terão mais de 65 anos. É fundamental investir na produção de valores humanos para alcançarmos uma sociedade que preze pelo bem-estar e pela felicidade. Desse modo, é tarefa fundamental ressignificar o voluntariado para buscar novas respostas para os desafios que nos esperam logo à frente.
Abel Reis, Presidente do Conselho de Administração da ONG Parceiros Voluntários. Formado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Informática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com mestrado em Engenharia da Computação com ênfase em Inteligência Artificial pela UFRJ. Em paralelo, co-fundou a primeira agência de propaganda digital do Brasil, a AgenciaClick, que, entre os anos 2000 e 2010, fez história no mercado nacional e internacional. O executivo já conduziu diversos projetos inovadores enquanto ocupava a cadeira de CEO da Isobar Latino Americana e da Dentsu Aegis Brasil, conquistando prêmios internacionais como o Leão de Inovação concedido pelo Festival de Publicidade Cannes.