O terceiro maior país do mundo está realizando um projeto ambicioso, de US$ 62 bilhões, para criar a maior rede de rios artificiais do mundo. O objetivo é transportar água doce do sul, abundante em recursos hídricos, para o norte do país, que passa por seca.
Em 2022 a China passou por uma seca histórica, que preocupou a economia global. O motivo foi uma forte onda de calor que durou mais de dois meses, a mais longa, segundo o Centro Nacional do Clima. A situação não só dificultou a própria economia, como também aumentou a pressão pelo mundo. Consequentemente, o país passou por muitas quedas de energia, fechamento de comércios, e até mesmo moveu autoridades a provocar chuva com técnicas de “semear” nuvens artificialmente para salvar as plantações.
Nesse cenário, os rios artificiais podem ser uma solução. A iniciativa é a construção de reservatórios e represas, que armazenam água durante períodos de chuva e liberam em períodos secos. Segundo o professor Paulo Jubilut, biólogo pela UFSC e mestre em ciência e tecnologia ambiental, eles ajudam a gerenciar a oferta de água em regiões com variações sazonais na precipitação. “Os sistemas podem ser usados para transportar água de áreas onde é abundante para áreas onde é escassa, ajudando a equilibrar a distribuição”, explica.
Custos ecológicos também fazem parte do projeto
Apesar dos benefícios para as regiões do norte do país, a iniciativa recebe críticas devido aos seus impactos ambientais e sociais. A construção de canais e túneis interrompe o fluxo natural dos rios, secando centenas de rios menores. Dessa forma, afeta também a vida aquática, que depende de ciclos de fluxo e refluxo sazonais, e impede a migração de organismos aquáticos, além de fragmentar habitats, reduzindo a biodiversidade.
“Existem problemas com a eutrofização (fenômeno que ocorre como consequência do aumento da quantidade de nutrientes no ambiente aquático) e com o acúmulo de sedimentos nas represas. Isso sem falar no custo total do projeto, que é muito alto e exige investimentos contínuos para a manutenção”, argumenta Jubilut.
Outro ponto a ser levado em consideração é o deslocamento das pessoas que vivem ao longo da rota. No caso da construção da Rota Central, foi necessária a realocação de mais de 300 mil pessoas.
Mas para garantir que os rios artificiais viabilizem um ecossistema equilibrado, primeiro é importante entender que eles nunca terão as mesmas características de um rio natural. Mesmo assim, para Paulo Jubilut,, é possível mitigar o impacto ecológico com algumas ações, como “manter fluxos de água que imitam os naturais, criar corredores ecológicos para conectar os habitats, garantir a existência de diversos tipos de habitats, como áreas de águas rasas, vegetação aquática e zonas ripárias, e estabelecer programas de monitoramento da qualidade da água e da saúde dos ecossistemas”.
É uma alternativa viável para o Brasil?
Em 2021, o Brasil passou pela pior seca em 91 anos. A situação de alerta fez com que o governo aumentasse as contas de luz e pedisse ajuda à população para combater desperdícios. Apesar do cenário caótico, segundo Jubilut, não há motivo para medo. Isso porque somos o país que possui a maior quantidade de água doce, com 12% do total existente no planeta. “Temos uma vasta rede de rios e um dos maiores aquíferos do mundo, o Guarani, que garantem uma disponibilidade significativa de água doce. Além disso, a média global de chuva é em torno de 800 milímetros ao ano, e são poucos os locais aqui em que chove menos que a média.”
Ainda que o cenário no país seja positivo, é importante manter o uso consciente da água e sempre estar de ouvidos atentos aos especialistas. A inteligência artificial pode ser uma grande aliada nesse monitoramento. Uma ferramenta desenvolvida pela UEA (Universidade do Estado do Amazonas) analisa os períodos de seca e cheia dos rios amazônicos.
“Se começarmos a fazer um planejamento estratégico a longo prazo, não há necessidade de rios artificiais. Com uma distribuição mais eficiente, conseguimos garantir água inclusive em áreas que enfrentam desafios hídricos”, conclui Jubilut.