Recentemente, o Brasil e o mundo voltaram seus olhos para o Rio Grande do Sul. Neste cenário, as mudanças climáticas induzidas pelo ser humano, resultaram na maior catástrofe já registrada no estado. Os eventos extremos mais frequentes e intensos, já causaram impactos adversos generalizados e perdas e danos para as pessoas e para a natureza, além da variabilidade natural do clima.
Segundo Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e importante cientista brasileiro, as mudanças estão ocorrendo em todos os domínios do sistema climático: na atmosfera, com o aumento na concentração de gases de efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono e o metano; na criosfera, com a perda de massa glacial; no oceano, com o aumento do nível do mar; e na biosfera terrestre, com o aumento de fortes chuvas, secas, altas temperaturas e incêndios da vegetação. Há que se observar que os eventos climáticos extremos estão ultrapassando a resiliência de alguns sistemas humanos e ecológicos, desafiando suas capacidades de adaptação, incluindo impactos com consequências irreversíveis. As pessoas vulneráveis e os sistemas humanos, espécies e ecossistemas sensíveis ao clima são os mais ameaçados.
O conhecimento científico avaliado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), pautado em múltiplas linhas de evidência e modelos climáticos globais e regionais, indicam uma maior frequência de eventos climáticos extremos por volta de 2030 ou 2040. Indica também que eventos extremos raros, como os que ocorrem a cada 50 – 100 anos, passariam a ser cada vez mais frequentes à medida em que o aquecimento aumente, ressaltando que medidas de adaptação tem que responder não somente aos impactos recentes observados, mas também (e principalmente) a riscos futuros projetados para diferentes níveis de aquecimento.
Mesmo que o objetivo de longo-prazo de temperatura do Acordo de Paris venha a ser atingido (e estabilizado) até o final deste século, as trajetórias de emissões de gases de efeito estufa até 2050 podem resultar em um aumento temporário da temperatura acima desses níveis, promovendo impactos negativos (até mesmo irreversíveis) maiores do que os antecipados. Ações de adaptação deverão ser projetadas de forma a antecipar esses riscos futuros e os riscos esperados.
O IPCC alerta que o aquecimento global ultrapassando significativamente 1,5 ºC causará maiores perdas e danos por eventos climáticos do que com o aquecimento atual, apresentando múltiplos riscos para ecossistemas e humanos. A eficácia das ações de adaptação e mitigação dependerá de tendências de curto prazo na vulnerabilidade, exposição e desenvolvimento socioeconômico. Uma adaptação eficaz requer a abordagem dos déficits de desenvolvimento pré-existentes, especialmente nas comunidades mais vulneráveis, garantindo que os sistemas sociais estejam adequadamente preparados para lidar com os riscos climáticos em termos de resiliência.
O Brasil apresenta uma diversidade climática significativa, com cinco sub-regiões climáticas que enfrentam vulnerabilidades específicas em relação aos eventos meteorológicos e climáticos extremos. Por exemplo, a Amazônia sofreu impactos severos devido a secas sem precedentes e altas temperaturas em 1998, 2005, 2010, 2015-2016 e 2023-2024 associadas fortemente às mudanças climáticas. O impacto combinado das mudanças nos usos da terra impulsionadas por atividades humanas e das mudanças climáticas aumenta a vulnerabilidade dos ecossistemas terrestres a eventos climáticos extremos e incêndios.
Na sub-região climática que engloba o RS já foi observado um aumento na tendência de precipitação extrema. Essa sub-região enfrenta uma alta frequência de eventos de chuvas severas, resultando em fortes ventos que afetam o sul do Brasil. Além disso, a costa do rio da Prata está sujeita a inundações quando há ventos fortes de sudeste, como os observados durante a semana dramática recente, contribuindo ainda mais para dificultar o retorno à “normalidade”.
As chuvas intensas que vimos na tragédia climática recente no RS, considerado o maior evento climático extremo da história do estado, foi impulsionada por uma combinação de fatores, incluindo um “rio voador” transportando umidade da Amazônia, uma massa de alta pressão de ar quente estacionada sobre o Brasil central (bloqueando as frentes frias no RS) e a influência do fenômeno El Niño. Isso tudo foi potencializado pelas mudanças climáticas, que vem tornando os eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e intensos.
Desde 2016, o Brasil possui um Plano de Adaptação à Mudança do Clima, mas a sua implementação ainda está em curso. O país está também desenvolvendo o AdaptaBrasil, uma iniciativa do MCTI, que integra em uma única plataforma índices e indicadores de riscos de impactos das mudanças climáticas no Brasil. Conhecer os riscos climáticos é o primeiro passo para auxiliar os municípios no planejamento informado de ações de adaptação.
Inclusive, a presidente do Global Climate Observing System (GCOS), Thelma Krug, reforça que a adaptação eficaz requer uma abordagem holística que combine medidas de curto e longo prazo. Iniciativas de curto prazo, como sistemas de alerta precoce e evacuação, são essenciais para mitigar os impactos imediatos dos eventos extremos, como inundações e tempestades. No entanto, para enfrentar os desafios de longo prazo, como o aumento da frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos, são necessárias estratégias de adaptação que incluam investimentos em infraestrutura resiliente, planejamento urbano sustentável, restauração dos biomas e rápida redução das emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento global.
A avaliação do risco climático e sua gestão eficaz são desafios complexos devido à incerteza associada às projeções climáticas e à variabilidade natural do clima. Enquanto os relatórios do IPCC fornecem insights valiosos sobre os padrões de mudanças climáticas e os riscos associados, há uma necessidade contínua de pesquisa científica para melhorar a compreensão dos impactos locais e regionais das mudanças climáticas.
Para enfrentar situações como a vivenciada no RS, o Brasil precisa adotar uma abordagem abrangente que englobe diversos aspectos. Primeiramente, é fundamental investir na ciência e na geração de conhecimento para compreender profundamente as necessidades regionais específicas do país. Além disso, a comunicação eficaz, envolvendo todos os agentes possíveis, é essencial, inclusive para lidar com negacionistas do clima, utilizando o princípio da precaução na implementação de ações de prevenção e minimização de riscos.
O envolvimento das comunidades no processo decisório, especialmente das populações mais vulneráveis, é crucial, tornando-as importantes atores na implementação de medidas de adaptação e mitigação. Também é necessário considerar a formação de comunidades organizadas para apoiar ações locais de prevenção e a participação do setor privado. No entanto, é importante reconhecer que, mesmo com adaptação efetiva, algumas perdas e danos são inevitáveis, principalmente nas populações mais pobres e vulneráveis.
A ciência existente já fornece evidências claras dos impactos das mudanças climáticas, reforçando a necessidade urgente de ações concretas por parte dos governos, tanto em âmbito global, quanto local. Isso inclui medidas de mitigação mais ambiciosas e o apoio aos países em desenvolvimento por meio de financiamento, capacitação e transferência de tecnologia. Em última análise, todos compartilhamos a responsabilidade de enfrentar os desafios das mudanças climáticas, e é crucial agir agora, minimizando as contribuições individuais para o aquecimento global.
Ione Anderson, diretora de consultoria de sustentabilidade da EY e Ricardo Assumpção, sócio líder de sustentabilidade e CSO LATAM da EY.