Pode parecer óbvio, mas tornar a mobilidade das cidades mais segura para mulheres é essencial para garantir que elas tenham acesso a atividades diárias básicas como emprego, lazer e educação. Mais do que isso, existem elementos sociais e históricos que tornam ainda maiores as diferenças entre os padrões de mobilidade femininos e masculinos.
Nos dias atuais, é quase uma constante que as mulheres assumam, em sua maioria, todas as responsabilidades associadas ao cuidado social e familiar. Nesse sentido, seus deslocamentos englobam atividades como levar os filhos à escola, acompanhar familiares em consultas, fazer compras diárias da casa, visitar familiares em cidades diferentes. Dessa forma, o padrão de mobilidade feminino apresenta especificidades em seu modo de locomoção.
Esses desafios são ainda maiores quando levamos em consideração casas lideradas por mulheres em famílias monoparentais. Nessas situações, os desafios de deslocamentos podem se agravar ainda mais diante de elementos interseccionais como gênero, raça, classe social, geração, orientação sexual, entre outros. A mobilidade das mulheres se caracteriza por uma grande complexidade, pois a elas foram reservadas inúmeras responsabilidades. Ao mesmo tempo, infelizmente, a questão de gênero ainda é pouco discutida quando falamos em transporte e mobilidade.
Como mudar essa realidade? Como incluir este tema na discussão de políticas públicas e na implementação de produtos em empresas de mobilidade? Para mim, isso começa, sem dúvidas, pela necessidade de termos mulheres pensando em mobilidade e, mais ainda, contarmos com lideranças femininas nos conselhos onde as estratégias são definidas e as decisões são tomadas.
De acordo com a pesquisa Women in Technology, apenas 28% dos cargos das áreas de tecnologia no mundo são ocupados por mulheres. Outro estudo, da Statista, mostra que, das posições de gestão, apenas 22,5% são femininas. No setor de transportes, isso ainda é pior: dados do Linkedin de 2023 mostram que os setores de logística e transporte estão entre os que têm a menor representação feminina na alta liderança – 23%, contra 32,2% no mercado em geral.
E é essencial ressaltar que isso abrange mais do que apenas posições de liderança. É crucial incentivar a presença feminina em outros setores da mobilidade, incluindo o transporte de passageiros e mercadorias, assim como em campos correlatos, como a mecânica. Expandir as oportunidades é fundamental para que as mulheres possam contribuir em diversas capacidades profissionais.
Ao mesmo tempo, quando conseguirmos assumir a liderança nesse setor, que é predominantemente masculino, ainda enfrentamos dilemas que não são os mesmos para o sexo oposto. Já estive em reuniões em que os interlocutores não se direcionavam a mim, mas sempre aos colegas homens, mesmo que a liderança do projeto fosse minha. Já ouvi que deveria seguir exemplos masculinos e ser mais “firme”, porque “agindo como uma mulher” não seria respeitada. Isso é absurdo, porque gênero não define estilo de liderança, ao contrário, as habilidades para tornar alguém um líder derivam dos mesmos princípios. Mas há uma tendência em tentar impor padrões específicos de comportamento para mulheres em posições de liderança.
Hoje, estou à frente de uma empresa de tecnologia e mobilidade com 75% de lideranças femininas e um quadro geral de colaboradores composto em 60% por mulheres. E ao ter essa posição e sabendo os privilégios que possuo (e que eles não se estendem a todas as mulheres), essa pauta faz parte das minhas discussões diárias, tanto no nível pessoal quanto profissional, assim como a inclusão e a equiparação de cada vez mais mulheres no setor.
Sabemos que a busca pela equidade de gênero no cenário corporativo, na mobilidade e fora dela, avança a passos lentos. Entretanto, para acelerar o processo, é crucial que empresas e indivíduos estejam dispostos a desempenhar e assumir um papel significativo nesse movimento.
Tatiana Mattos, CEO da BlaBlaCar no Brasil.