segunda-feira, outubro 21, 2024

A Era do “Novowashing”

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Quando as pautas sobre sustentabilidade começaram a habitar conversas nos corredores ou mesas de reuniões dentro das empresas, os temas considerados sustentáveis ainda eram tratados como supérfluos e distantes dos objetivos de negócio, percebidos como causas individuais ou de grupos específicos que militavam por elas.

Com o tempo, alguns vetores como o estabelecimento de legislações e regulamentações, sobretudo para a área ambiental, a descentralização das mídias e o eco da voz dos consumidores, não mais circunscritos ao lugar de receptores das mensagens produzidas por marcas e empresas, mas também de potentes emissores, os temas sustentáveis ganharam novos significados e pesos para o mundo corporativo. Mais do que a função de cumprir as leis, as iniciativas de sustentabilidade alcançaram o posto de geradoras de conteúdo para as campanhas de comunicação, sendo consideradas um ótimo recurso para diferenciação e construção de vantagem reputacional. Nesse momento, observamos o crescimento da práxis do chamado “Greenwashing”, termo que surgiu na década de 1990, após a publicação de um artigo na revista britânica New Scientist, que fazia uma analogia a outro termo substantivado: “brainwashing” – traduzido como “lavagem cerebral”, para classificar a prática de muitas empresas em camuflar, mentir ou omitir os reais impactos de suas iniciativas e compromissos com os temas ambientais. Um pouco mais tarde, seguindo o mesmo princípio, a expressão “Socialwashing” foi cunhada para retratar a mesma postura que algumas corporações adotavam ao comunicar suas ações de impacto social. Uma dinâmica onde o falar mais do que o fazer foi naturalizado e aceito como “parte do jogo” no mundo dos negócios.

Como resposta a esse comportamento, instituições e órgãos reguladores nacionais e internacionais vêm ao longo do tempo pactuando novos conceitos e novas metodologias para as práticas sustentáveis corporativas e suas devidas formas de relato, sublinhando a importância da transparência e dos riscos reputacionais e financeiros envolvidos na ausência dela.

Contudo, tais movimentos têm se mostrado insuficientes para dar conta do que conceituamos aqui na Oitto como “Novowashing”. De fato, os temas sustentáveis ganharam espaço e investimento dentro das corporações, entretanto a escolha daqueles a serem desenvolvidos e a receberem mais investimentos não vem obedecendo ao ranking de impactos reais e potenciais que as empresas geram ou podem gerar na sociedade, de acordo com a natureza de sua operação. Os “telhados de vidro” costumam ser suprimidos em favor de temas menos desafiadores. Empresas de fabricação de eletrônicos ou produtos de informática centralizando esforços em eficiência hídrica, por exemplo, e não elencando o tema de logística reversa como prioritário. Organizações da indústria da moda alardeando investimentos na promoção do uso consciente de energia e desconsiderando sua importância estratégica para o combate às práticas de trabalho análogo escravo em sua cadeia de fornecedores.

Claro que todos os temas citados nos exemplos acima são relevantes e importantes para o enfrentamento dos desafios socioambientais mundiais que estão postos. Entretanto, cabe ao segundo setor investir onde sua atuação tem potencial de gerar maior impacto.

Os recursos são finitos e prezar por sua própria saúde financeira é papel das empresas. Exatamente por isso, em um mundo que caminha para um apuro cada vez maior dos índices de impacto socioambiental, assumir o risco de adotar o “Novowashing” como estratégia corporativa de sustentabilidade é um paradoxo. Uma aposta incoerente ou, no mínimo, ingênua, que pode custar muito caro para empresas que pretendem traduzir seus investimentos em resultados e em negócios prósperos e longevos.

Cláudia Mattos, especialista em Comunicação, Economia e Gestão da Sustentabilidade. Sócia e cofundadora da empresa Oitto Impacto.

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