Ao longo de minha trajetória, mergulhei em reflexões sobre o propósito da educação e o papel da escola na sociedade. Através de leituras e análises que compunham a minha pesquisa, fiquei convicta de que a educação é, essencialmente, um caminho para a liberdade. Mas o que exatamente significa liberdade? Para os autores que escolhi articular, a saber, Hannah Arendt e Paulo Freire, liberdade não é o livre-arbítrio de Santo Agostinho, nem a autonomia moral de Kant, mas, sim, a possibilidade de participar plenamente do espaço público, de pertencer e contribuir com ele em condição de igualdade de escuta, fala e ação transformadora.
Mas como essa concepção se aplica ao contexto escolar? A escola é um ambiente privilegiado, uma proxi do mundo adulto, sem efetivamente sê-lo. Onde podemos potencializar as múltiplas habilidades do ser humano, portanto, é crucial que o currículo educacional esteja alinhado com as demandas e desafios de nossa época. O objetivo não é apenas formar profissionais competentes, mas também cidadãos e cidadãs conscientes, engajados e colaborativos. Nossa existência depende de uma rede coletiva.
Inspirada nisso, em 2021, fundei uma ONG chamada Amor Mundi, que potencializa ONGs ligadas a educação, como a Escola da Fundação Darcy Vargas (FDV), uma instituição de ensino gratuita para jovens em situação de vulnerabilidade, com mais de 80 anos de história, localizada na Pequena África, no coração do Rio de Janeiro.
A FDV é uma escola encantadora e transbordante e, se sua missão é formar cidadãos comprometidos com a cidadania e o compromisso de cuidar da sua comunidade, precisa direcionar esforços pedagógicos neste sentido. E é o que vem acontecendo por lá. Além das disciplinas de base, há um currículo mais enriquecido através da identificação do interesse dos alunos e das alunas, que trata de questões estruturais de raça e gênero, fornece apoio socioemocional e tudo que é possível para dar repertório para que sejam protagonistas de seus projetos de vida e agentes questionadores do mundo em que vivem. O resultado dessa prática pedagógica é evasão escolar zero, média de redação do ENEM acima de 835 pontos e uma combinação de uma educação cidadã, que também prioriza iniciativas profissionalizantes e sociais. Nossos alunos sonham, algo não tão comum em contextos de vulnerabilidade, onde eles e elas estão inseridos.
Na FDV são ofertados cursos profissionalizantes para comunidade, cultura e atividades pontuais com parceiros privados, incluindo orientação jurídica, assistência médica e outras formas de apoio social. Essas iniciativas têm um impacto significativo não apenas nos alunos, mas também em suas famílias e na comunidade em geral. Desde 2022, não houve qualquer evasão, um feito notável em uma região marcada por altos índices de abandono escolar.
O segredo desse sucesso não está apenas na qualidade do ensino oferecido, mas também no ambiente acolhedor e inclusivo que é oferecido à comunidade. Os alunos e alunas se sentem valorizados e apoiados em sua jornada educacional, o que os motiva a permanecer na escola e buscar seu pleno desenvolvimento.
Embora não exista uma receita de bolo que se aplique a todas as realidades do Brasil, o exemplo da FDV destaca a importância de uma educação que entenda o mundo e as demandas do aluno, que atenda a complexidade dos desafios e necessidades da comunidade. O conhecimento teórico é fundamental, mas, para promover uma verdadeira transformação social, é preciso investir em iniciativas que vão além das paredes da sala de aula.
A educação pode ser vista como um espaço de conhecimento, mas também como um instrumento de tecnologia e mudança social, desde que possa produzir espaços de criação, pensamento crítico e liberdade pública. Os jovens legam de nós um futuro incerto, com espaço público deteriorado e um mundo com urgências climáticas alarmantes. Os mais vulneráveis são sempre os mais impactados. Pensar a educação é pensar qual a sua função, pensar o mundo e como podemos preservá-lo, reconstruí-lo em torno de uma sociedade mais justa e orientada ao bem comum. Lembrando Rubem Alves:
“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.
Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo.
Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado”.
Escolhemos ser uma escola-asa, aquela que ajuda a voar.
Camila Crispim, conselheira da Fundação Darcy Vargas e fundadora da ONG Amor Mundi.