Quando lemos estudos, pesquisas e análises sobre o futuro do trabalho defendendo que o amanhã deve ser diverso e inclusivo, o que exatamente isso significa? De que futuro (ou futuros, no plural) estamos falando? Tenho produzido algumas reflexões para o projeto Educação Travesti que mantenho no LinkedIn com o objetivo de construir uma discussão recorrente sobre educação corporativa e interseccional. Na essência, nutro a proposta de contribuir para gestarmos um futuro realmente diverso. Como uma travesti educadora, tenho uma visão de mundo que me permite identificar as práticas vigentes de exclusão social; ao torná-las visíveis, espero construir um canal diferenciado para educar de forma disruptiva, especialmente aqueles que acreditam saber de tudo.
Para abordar a temática das perspectivas de futuro, lanço mão de três conceitos-chave. O primeiro é Educação Travesti, cujo termo ouvi, pela primeira vez, pela voz da Bianca Kalutor – uma travesti preta, artista do sudeste brasileiro. Bianca entende que a forma e os jeitos que ela e muitas outras travestis (me incluo nessa) se comportam perante os abusos institucionais e as violências do dia a dia, em um país como o Brasil, são uma institucionalização dos métodos que nós usamos para sobreviver; ao mesmo tempo, educar o mundo sobre como respeitar as travestis. Em termos acadêmicos, Educação Travesti é uma prática pedagógica que nós – pessoas trans e travestis – escolhemos utilizar para conjecturar políticas que nos ajudam a fazer a manutenção de nossas vidas e do existir coletivo.
Em linha geral, Educação Travesti significa uma tecnologia social de autonomia e emancipação educativa que desenvolvemos para criar condições humanizadas para existirmos dentro dos espaços sociais e institucionais de convívio comum. E, aqui, trago o segundo conceito: Inclusão Produtiva. Essa temática fala de geração de renda digna e recorrente, seja via emprego, seja via empreendedorismo.
Vivemos um mundo (e um momento) no qual o trabalho se encontra em um acelerado processo de mudança, impulsionando forças de transformação ambientais, sociais e de governança – descritas na sigla ESG. Nesse contexto de evolução de tecnologias, impacto das mudanças climáticas e constantes mudanças na chave de compreensão de produção, emprego e geração de renda, temos que colocar o fator humano no centro desse novo modo de viver. Costurando esse objetivo com as linhas fortes da Educação Travesti e da Inclusão Produtiva!
As pautas de diversidade e inclusão já deixaram de ser “modinha” e passaram a ser critério para o aporte – ou não – de investimento nas organizações. Existem chamadas para uma globalização mais equitativa, um desenvolvimento equilibrado e sustentável; um crescimento econômico que impulsione o progresso social é a demanda do presente. A ação no mundo do trabalho é decisiva para alcançar esses objetivos. Ao mesmo tempo, ainda há muito o que fazer para chegar a resultados de impacto positivo em nível global.
O estudo Educação e Habilidades (Education and Skills), conduzido pelo Fórum Econômico Mundial, reflete sobre como a inovação tecnológica está transformando fundamentalmente a educação e contribuindo para o desenvolvimento das habilidades necessárias ao mundo do trabalho. Essas transformações, se gerenciadas com sabedoria, podem levar a uma nova era de bom trabalho, bons empregos e melhor qualidade de vida para todos. No entanto, se forem mal gerenciadas, vão potencializar o risco de aumento das lacunas de habilidades, maior desigualdade e uma grande escassez de recursos. Um ponto importante é que ter uma visão do futuro do trabalho alinhado ao ESG exige da sociedade, necessariamente, considerar as necessidades de uma série de partes interessadas. Os consumidores e a sociedade ainda esperam mais dos negócios e têm favorecido aqueles que se comprometem com a geração de um impacto social e econômico positivo.
Mas, como construir soluções diversas – pensando em produtos, serviços e atitudes – sem privilegiar a inclusão e sem construir uma equipe diversa? E, a construção de uma empresa diversa, que represente a sociedade em sua pluralidade, envolve a contração de travestis. Mais ainda, envolve criar um ambiente igualitário para que essa profissional tenha condições iguais de ascensão de carreira. Sim, o futuro do trabalho precisa de travestis na liderança de empresas pequenas, médias, grandes e gigantes!
E tudo isso passa por um terceiro conceito-chave: Letramento em Formação Social. Esse tema, aliás, tenho desenvolvido em profundidade com executivos que buscam mentorias para acessar conhecimentos práticos de como liderar e construir equipes diversas e conectadas com as demandas ESG. O futuro do trabalho, que eu acredito, é aquele em que todas as pessoas trans, travestis e integrantes de grupos sociais vulnerabilizados tenham oportunidades iguais para provar o quão são capazes. Que a identidade de gênero, a orientação sexual, a idade, a característica física ou psicológica, a raça e a etnia não sejam limitadores, tampouco definam a qualidade profissional de ninguém. E, nesse futuro do trabalho teremos travestis liderando as empresas!
Judá Nunes, licenciada em Teatro pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Educação para Inclusão da Diversidade, analista de ESG e reconhecida como LinkedIn Top Voices.